Não devemos esquecer o pequeno Aylan – por Edgar Welzel*, de Stuttgart, Alemanha

os conflitos na Síria, no Iémen, atentados no Iraque, na Nigéria, no Mali, na Tunísia, no Egito, na península do Sinaí, na Somália, no Kênia, na Líbia, no Líbano, na Faixa de Gaza, no Israel, na Ucrânia, só para citar alguns.

A lista não é completa. O Oriente Médio está em chamas e o mundo aterrorizado com o terrorismo.

Atentados já houve tanto no Oriente Próximo como em Madrid, Londres, Paris, Afeganistão, Paquistão, Mombai, Beslan, no teatro em Moscou, na ilha de Djerba, em Bali, Ancara e, nos primeiros dias do ano que apenas iniciou, em Istambul, Jacarta, Burkina Faso, na Universidade de Peshawar no Paquistão e talvez em outros lugares que nem registramos.

Desde o ataque às torres gêmeas do World Trade Center em 11 de setembro de 2001 o terrorismo  islâmico, esta forma perversa de guerrilha liderada por fanáticos religiosos intolerantes,  faz parte do jogo político;  o terrorismo é fator quase dominante na atual política não só regional. Confrontamo-nos com um problema global.

O Onze de Setembro em Manhattan  mudou o mundo. Tornou-o mais complicado comparado ao mundo da Guerra Fria com  fronteiras delineadas entre dois blocos claramente definidos: o mundo ocidental, livre, democrático; o ocidental, oprimido, comunista. O terrorismo não conhece fronteiras. Encontramo-lo tanto em países islâmicos como em países de outras confissões. Homens-bomba atuam aqui, lá e acolá.

A desestabilização do Oriente Médio,  guerras, fome, terrorismo e milhões de jovens sem perspectivas são as causas dos atuais movimentos migratórios. Segundo dados das Nações Unidas 70 milhões de pessoas são vítimas dessa tragédia. Desarraigaram-se, perderam suas bases, abandoram suas aldeias, suas cidades, são expatriados que se encontram em fuga ou, no melhor dos casos, encontram-se em um dos inúmeros  campos de refugiados, sob proteção da ONU  na Síria, no Iraque, na Turquia, no Líbano, no Paquistão, Grécia, Itália em outros países. Milhões de desesperados dirigem-se à Europa na esperança de encontrar aí segurança e possibilidades para uma nova vida. Uma esperança que para muitos terminará em ilusão.

Enfim, os atentados em Paris, há cerca de um ano na sede do Charlie Hebdo, num supermercado e em novembro passado no Bataclan, mais uma vez em Paris. Os ultrajantes ataques de sexismo praticados por uma horda de mais de mil homens de feições magrebinas, africanas e árabes em Colônia, na Alemanha, na noite de 31 de dezembro passado, foram assunto da mídia mundial. O laudo policial sobre os ultrajes, um texto impróprio para publicação extrapolicial, causa horror e arrepios.

A Alemanha que abrigou um milhão de refugiados em 2015 não encontra apoio da maioria dos países da União Europeia para uma distribuição mais justa no Continente dos milhares que já chegaram e dos que ainda virão. Os apelos  de Ângela Merkel, a chanceler alemã, não encontram ouvidos da maioria dos líderes europeus. Alguns países negam-se  a aceitar imigrantes. A Europa mostra-se dividida. No Foro Econômico Mundial de Davos que começou hoje, 20 de janeiro, Joachim Gauck, presidente da Alemanha, critica severamente a falta de solidariedade por parte dos países do leste europeu “que tanto auxílio receberam da União Europeia após a queda do Império Soviético.”

Martin Schulz, presidente do Parlamento Europeu, desabafa: “A União Europeia não é um estado federativo mas uma união de estados. Numa união de estados os governos dos estados membros têm uma responsabilidade especial para o sucesso desta união. Alguns, no entanto, mostram menos interesse na união do que em seus interesses nacionais. Com tal comportamento abalam os alicerces da União.”

Grupos com ideologias radicais ganham terreno à nível europeu. Autoridades mostram-se preocupadas ante a crescente onda xenofóbica que se manifesta  na França, Itália, Hungria, Polônia, República Tcheca e em algumas cidades do leste da Alemanha como Dresden e Leipzig. Representantes da comunidade judaica mostram-se apreensivos pelo fato de muitos dos refugiados que chegam serem procedentes de países reconhecidamente antissemitas.

Paralelamente aumenta a pressão sobre Ângela Merkel que vacila em tomar uma decisão no sentido de limitar a entrada de refugiados na Alemanha que entrementes também ja vêm de países como o Marroco e a Argélia. Os dois partidos coligados de seu governo, a opinião pública e mesmo elementos de seu próprio partido fomentam a pressão conforme revela uma carta divulgada em 19 de janeiro, assinada por 54 deputados do partido governamental que exigem uma drástica limitação do número de imigrantes e controles nas fronteiras da Alemanha, uma medida contrária aos regulamentos do Tratado de Schengen.

As previsões para o ano de 2016 indicam que mais um milhão de refugiados virão à Alemanha. (Em janeiro, apesar do frio europeu, continuaram a chegar entre 3 e 4 mil refugiados por dia pela ruta dos Bálcas, à divisa sul da Áustria).  Ângela Merkel está de costas contra a parede e só lhe restam duas possibilidades: atender ao apelo dos partidos coligados e da própria bancada ou por o cargo à disposição antes que seje forçada para tal.

Passados doze dias do novo ano de 2016 um homem bomba explode-se junto a um grupo de turistas alemães em Istambul. Resultado: doze mortos dos quais 10 alemães. Efkan Ala, ministro do interior da Turquia declara: “O terrorismo é o maior problema de nossa época”.

“Um morto é uma tragédia; um milhão de mortos é uma estatística”. A frase é de Josef Stálin (1878-1953), ditador soviético que  baseou toda sua política de terror nesta frase cínica. Isto, no entanto, é História. Pertence ao passado. Acabou.

O que não acabou é o conflito na Síria que se mostra ser extremamente complicado.  Em termos de complexidade nem mesmo as duas grandes guerras do século 20, a 1ª e  2ª Guerra Mundial, tiveram motivos tão confusos, intrincados e embaraçados como o dramático conflito em andamento naquele país do Oriente Próximo  que já vai para o seu quinto ano.

A Síria não declarou guerra a nenhum país e não foi atacada por outro país. O governo sírio foi atacado internamente por grupos opositores.  A Europa e o mundo ocidental  inicialmente permaneceram inertes ante a catástrofe que se desenvolvia na Síria. Um erro fatal que  contribuíu para o fato de que outros  grupos aderissem à luta contra o regime do presidente Bashar al-Assad. Enquanto isso mais de dez grupos jihadistas lutam contra o governo  e, incrível mas verdadeiro, alguns grupos se combatem entre si o que torna a situação de difícil transparência.  O país está em escombros.

A liderança do movimento, no entanto, está sob o comando do autoproclamado  Estado Islâmico que controla parte do Iraque, da Líbia, do Iémen com fortes ramificações na Tunísia e em alguns países do centro europeu onde já existe uma geração nativa local de descendentes de imigrantes que compactua com as lideranças do Estado Islâmico do Iraque e da Síria. As ramificações europeias são  um pesadelo para as autoridades  cientes de que os acontecimentos de Paris, cujos autores eram jihadistas europeus, poderão repetir-se, a qualquer hora,  em qualquer outra cidade do Continente.

Entre os responsáveis da aliança ocidental  liderada pelos Estados Unidos, criada para por fim às atrocidades do Estado Islâmico, da qual fazem parte o Canadá, Dinamarca, Holanda, Grã-Bretanha, Bélgica, França, Austrália, Arábia Saudita, Alemanha e ultimamente a Turquia, existe concordância de que, para terminar com o conflito na Síria, é necessário aniquilar o Estado Islâmico. No entanto, nenhum membro da aliança tem um plano de como fazê-lo.

Adicionalmente  às atividades da aliança ocidental, Mohammed bin Salman,  vice-príncipe herdeiro e ministro de defesa da Arábia Saudita, anunciou, em dezembro passado, a criação de uma aliança formada por 34 países islâmicos, sob a liderança da Arábia Saudita, para erradicar o Estado Islâmico “esta moléstia que prejudicou o mundo islâmico” segundo as palavras do próprio príncipe bin Salman.

Analistas políticos  não se mostram eufóricos diante desta iniciativa que mais parece ser uma questão de ambição pessoal do jovem príncipe saudita. A aliança por ele anunciada é formada por países islâmicos com população majoritária sunita para combater o Estado Islâmico que é, em sua maioria, formado por xiitas o que prova o confronto religioso existente dentro do mundo islâmico.

Ademais há duas grandes incógnitas nos acontecimentos na Síria: até o momento permanecem obscuros  os verdadeiros objetivos  do presidente da Rússia, Vladimir Putin, agora participante ativo  dos acontecimentos  na Síria e do Iraque; o mesmo vale dizer sobre Recep Tayyip Erdogan, presidente da Turquia, cuja atuação inicial no conflito foi ambígua. Ambos  são atores enigmáticos que seguem  interesses distintos, não de todo conhecidos.

A maior idiossincrasia é o fato de que as duas alianças, a saudita (34 países) mais a ocidental (20 países) lutam apenas contra um estado, o Estado Islâmico, que nem Estado é.

Refugiados, guerras e terrorismo. Eis o drama da Humanidade que afeta a todos. A fotógrafa turca Nilüfer Demir, da  agência de notícias DHA,  condensou a tragédia toda em uma única foto: a do menino sírio Aylan Kurdi encontrado morto numa das praias da Turquia na madrugada de 2 de setembro passado. Uma foto dolorosa e comovente que entrará na História. Uma foto que  dilacera nossos corações representativa para milhares de outras tragédias não só aquelas tragadas pelas águas do Mediterrâneo.

 “Assim que vi o menino Aylan, meu sangue gelou. Não podia fazer nada por ele apenas fazer com que seu grito fosse escutado em todo o mundo. Fiz isso com estas fotos, quis mostrar para todos a dor que senti ao vê-lo naquele estado”, disse a fotógrafa Nilüfer Demin.

Não devemos esquecer o pequeno Aylan, aquele menino sírio de camiseta vermelha e calças azuis.

 *Edgar Welzel é jornalista, gaúcho, radicado em Stuttgart, Alemanha. Matéria publicada também no jornal Opção, de Goiânia, GO, edição nº 2121, de 28 de fevereiro a 5 de março de 2016. 
E-mail: edgarwelzel@web.de 

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