A face obscura da pobreza – por Ivar Hartmann*
São milhares de histórias de famílias do interior do Brasil, que da miséria diária do amanho de pequenas propriedades pouco produtivas, conseguiram com esforço e muito trabalho, alcançar um horizonte aos filhos. Falo apenas daquelas famílias cujos filhos prosperaram pelo trabalho. Que buscaram nas cidades a forma de viver com dignidade, fazendo seu esforço render mais do que a agricultura familiar de sua infância e juventude. Acostumados ao trabalho duro e sem descanso, dependentes do tempo e carentes de instrução ou equipamentos adequados, viviam uma vida de constantes apreensões e desilusões. Na cidade, com seus empregos mais tranquilos e ganhos certos ao final do mês, esta gente sofrida, acostumada ao pior, transformou-se em bons empregados e depois patrões. Já tinham amassado antes o pão do diabo. As histórias destas vidas duras, com o tempo, viram fumaça.
Por isso me deixem contar uma, como tributo a esta gente de tanto valor. Um comerciante me contou de sua mãe que teve doze filhos. Doze! Quatro morreram ainda pequenos por falta de diagnóstico médico. Três foram enterrados em sua terra natal, interior de Torres, antes de o pai trazer a família para a Capital, tentando melhorar de vida. Então morreu o quarto filho no casebre alugado.
Onde o dinheiro – na família miserável – para a tramitação oficial do óbito e transporte de volta, com a papelada necessária, para que o pequeno ficasse junto com os irmãos e parentes, enterrados no mesmo lugar? No mesmo cemitério simples da vila onde moravam, onde todos se conheciam. É bom enterrar os filhos juntos, pensavam os pais. Deus os encontra mais fácil!
Sós na cidade grande, ninhada de filhos e dor grande estourando no peito da mãe, sentindo o ruim de ser pobre, marido sem emprego e oito filhos a sustentar? Sem consolo em seu desconsolo. Sem amigos, parentes ou vizinhos conhecidos. O casal fez a viagem de volta em ônibus de linha, pela estrada velha. Compraram os lugares e enrolaram o nenê que ficou apenas com a cabeça de fora e que, para todos os motivos, dormia. Agora pensem na mãe infeliz. Filho recém-morto e viajando com ele no colo, na longa viagem, sem poder chorar para não se denunciar. Trágico, não é?
*Ivar Hartmann é promotor público aposentado, colunista do diário Jornal NH, Grupo Sinos, Novo Hamburgo, RS, e colaborador do portal BrasilAlemanha e da mala direta BrasilAlemanha Neues.