Introdução (Obs.: registro provisório aqui no portal BrasilAlemanha, ainda sem as fotos)
Trata-se, sem dúvida, de mais uma contribuição valiosa à história da imigração alemã em Santa Catarina e, como tal, digna de ser publicada. Pena que muito aspectos apresentados o foram de forma muito breve. Certamente teriam merecido uma apreciação mais longa, que poderá ser compensada pela consulta à rica bibliografia no final do texto. Como trabalho compacto é altamente interessante.
Há também enfoques curiosos e pouco conhecidos, como o estímulo à imigração para subseqüente agenciamento de mercenários entre os arribantes, para guarnecer o exército e a guarda imperiais. Sobre as heranças culturais deixadas (tradições, comida típica, arquitetura, dança etc), apesar de sumárias, proporcionam interessantes observações, dignas de serem lidas, especialmente aos 180 anos da imigração alemã em Santa Catarina (1829-2009).
Assim, sem se aprofundar, a Profª. Seyferth, com outras obras de maior fôlego sobre colonização já publicadas, traça um pouco do perfil segregacionista, imposto pelo isolamento dos primeiros tempos, estimulando o teuto-nacionalismo (Deutschtum), como teimosa (e tão importante!) preservação da língua alemã, somente quebrada autoritariamente pela Campanha de Nacionalização, instaurada pelo Estado Novo. Deve-se elogiar a riqueza da bibliografia consultada pela autora.
Udo Döhler
Cônsul Honorário da Alemanha em Joinville
Hans Dieter Didjurgeit
Cônsul Honorário da Alemanha em Blumenau
Os motivos da Imigração
Os primeiros imigrantes alemães chegaram a Santa Catarina em novembro de 1828, portanto, no período inicial da colonização européia planejada pelo governo imperial brasileiro com a intenção de implantar um modelo de agricultura baseado na pequena propriedade familiar. Essa intenção pode ser observada na legislação imigratória brasileira desde os contratos que determinam a fundação da 1ª colônia, com imigrantes suíços, em 1819 – fixados em Nova Friburgo, na região serrana do Rio de Janeiro - até os decretos-leis posteriores à 2ª Guerra Mundial: privilegiou-se a vinda de agricultores, subsidiando, em grande parte, a imigração destinada a projetos de colonização. A intenção colonizadora, portanto, motivou o agenciamento de alemães, iniciado logo após à independência. Mas, ao lado disso, é preciso não esquecer as razões geopolíticas que levaram o governo a privilegiar tal forma de ocupação territorial: o agenciamento de colonos se fez juntamente com o recrutamento de mercenários que pudessem reforçar o exército nacional nas lutas da independência, especialmente no norte do país, e nas disputas fronteiriças com os países vizinhos no extremo sul. Assim, o agenciamento - através de indivíduos contratados para essa finalidade pelo governo brasileiro - foi, talvez, a principal razão da vinda de imigrantes alemães para o Brasil durante o Império. Antes de 1830, o principal agenciador foi o médico alemão Georg Anton Schäffer, uma figura controvertida, que esteve no Brasil antes da independência em viagens a serviço da Rússia; depois, tornou-se oficial do corpo de guardas do Imperador Dom Pedro I e Encarregado de Negócios do Brasil na Europa para intermediar a vinda de imigrantes. Nessa condição, foi responsável pelo recrutamento de boa parte dos soldados de origem germânica que integraram os batalhões estrangeiros até 1828, bem como de colonos encaminhados para São Leopoldo e Nova Friburgo em 1824. Por outro lado, a possibilidade de acesso à propriedade da terra, os subsídios prometidos pelos agenciadores em nome do governo brasileiro - passagens e auxílios para manutenção no ato da localização em projetos coloniais - bem como a liberdade religiosa e a concessão da naturalização funcionaram como motivação para emigrar para o Brasil. No entanto, a propaganda elogiosa do sistema de colonização não correspondia à dura realidade cotidiana das colônias, estabelecidas em regiões de floresta e de difícil acesso; boa parte das promessas - interpretadas pelos imigrantes como contratuais - não puderam ser cumpridas. Isso motivou não só a reemigração ou o retorno de muitas famílias descontentes com as condições de localização em áreas coloniais, mas também ajudou a produzir na Europa um discurso contra a emigração para o Brasil. A existência da escravidão, por sua vez, reforçava a imagem negativa do país e, na medida em que o interesse na imigração aumentou, a partir de 1850, quando o tráfico de africanos foi proibido pela Lei Euzébio de Queirós, a própria elite imigrantista brasileira passou a considerar a persistência do regime escravista um entrave ao progresso.
As referências acima apontam para as dificuldades de estabelecer um fluxo espontâneo de imigrantes para o Brasil, apesar do interesse de ambas as partes - governo imperial brasileiro e cidadãos de estados alemães – estes impelidos, por diferentes razões, a deixar suas terras de origem. A propaganda dos agenciadores e as benesses prometidas pelo governo brasileiro certamente determinaram a opção pelo Brasil, mas não têm relação com as causas estruturais da grande emigração que levou alguns milhões de alemães para as Américas, sobretudo para os Estados Unidos, desde o início do século XIX. O Brasil recebeu uma parcela relativamente pequena desses emigrantes: entre 1824 e meados do século XX aqui chegaram, aproximadamente, duzentos e cinqüenta mil alemães, menos de 5% do total de estrangeiros admitidos no Brasil nessa condição, conforme assinalou Manoel Diégues Junior.
Guerras e mudanças de fronteiras, que muitas vezes transformaram cidadãos em membros de minorias nacionais, as pressões demográficas, as transformações e crises econômicas são os principais fundamentos históricos da emigração em massa - causalidades assinaladas em depoimentos de colonos alemães estabelecidos em Santa Catarina, não importando a época ou o lugar de onde emigraram. Assim, a emigração das famílias oriundas do Grão Ducado de Baden, estabelecidas no Vale do Itajaí onde hoje está situado o município de Gabiruba, foi motivada pelos efeitos sócio-econômicos e políticos da Revolução de 1848 e pela crise fundiária resultante da fragmentação das posses camponesas em razão da prática da herança compartilhada ou Realteilung - fenômeno que depois repetiu-se no Brasil. Mas, se em algumas regiões alemãs a partilha das terras reduziu progressivamente a possibilidade de sustentação das famílias camponesas, em outras prevalesceu o herdeiro único (primogênito ou ultimogênito), causando a migração dos deserdados da terra motivados pela possibilidade de ter uma propriedade em outro país. A utopia camponesa da terra em abundância ajudou a engrossar os contingentes imigratórios, porém as causas mais concretas, além das razões pontuais acima citadas, remetem à transição muito rápida para um modo capitalista de produção, no início do século XIX: milhares de trabalhadores rurais precisaram deixar as grandes propriedades da nobreza agrária, ficando os artesãos - rurais e urbanos - e os pequenos produtores camponeses independentes sem condições de competir numa economia capitalista. Além disso, a revolução industrial, igualmente muito rápida, ocorreu em vários estados alemães a partir da década de 1830, com a conseqüente emergência de um Lumpenproletariat - proletariado andrajoso, composto de trabalhadores sem qualificação, em grande parte oriundos do meio rural. Essas classes - o campesinato e o operariado - foram as principais perdedoras na Revolução de 1848, com o fracasso dos levantes populares. Em resumo, a situação de pobreza e a intensidade das mudanças econômicas e sociais motivaram, embora não exclusivamente, os fluxos imigratórios.
A retomada da colonização com imigrantes alemães no sul do Brasil em meados do século XIX coincidiu com um período de crise no campo, provocada por más colheitas, êxodo rural, especialmente na Prússia, e a derrocada da Revolução de 1848. As listas disponíveis na documentação oficial apontam para a predominância de artesãos e lavradores entre os imigrantes localizados nas regiões de colonização, em Santa Catarina. Nos núcleos coloniais também se estabeleceram ex-soldados, operários especializados, profissionais liberais, professores e pessoas com algum grau de profissionalização, ou escolaridade, oriundas da classe média alemã, sem qualquer familiaridade com a agricultura privilegiada pelas leis brasileiras - mostrando, de certa forma, a natureza imponderável das motivações humanas.
Na configuração estatística da imigração alemã no Brasil, contudo, percebe-se que o maior volume de entradas ocorreu na década de 1920, logo após à 1ª Guerra Mundial e em plena crise econômica, política e social da República de Weimar. Esses imigrantes raramente seguiram para áreas de colonização; ficaram nas cidades e muitos retornaram para a Alemanha na década de 1930. Guerras, revoluções, mudanças políticas e crises econômicas e suas conseqüências sociais, portanto, sempre foram elementos preponderantes dos deslocamentos populacionais, malgrado a força dos nacionalismos e as dificuldades encontradas pelos imigrantes nos países de acolhida.
A localização dos primeiros imigrantes alemães em Santa Catarina mostra o objetivo geopolítico de povoamento de terras devolutas no sul do país: a primeira colônia, denominada São Pedro de Alcântara, surgiu em 1829 no vale do rio Maruí, no caminho de cargueiros que ligava São José, lugarejo próximo à capital Desterro, no litoral, à vila de Lages, no planalto. No mesmo ano, outra colônia, Mafra, às margens do Rio Negro, na fronteira com o Paraná, recebeu pequeno grupo de alemães, numa situação idêntica - estava situada no caminho de cargueiros que ligava Lajes a Curitiba. São Pedro de Alcântara recebeu menos de mil indivíduos - 166 famílias oriundas da cidade hanseática de Bremen e pouco mais de uma centena de soldados alemães dispensados dos batalhões estrangeiros que haviam se amotinado no Rio de Janeiro em 1828.
Pouco depois, em 1830, a imigração cessou, pois os gastos com o agenciamento e localização dos colonos foram proibidos por lei. A Revolução Farroupilha, iniciada em 1835, também dificultou a vinda de novos imigrantes, apesar do interesse provincial em dar continuidade ao processo de colonização. Na década de 1830, muitos colonos, descontentes com as condições de vida de São Pedro de Alcântara, foram encaminhados para novos locais de assentamento situados no Vale do Itajaí, onde hoje está a cidade de Gaspar, e em Vargem Grande, no rio Cubatão. A retomada da imigração alemã ocorreu em 1847, com a fundação da colônia de Santa Izabel, no rio Cubatão, próximo a Vargem Grande, no momento histórico de discussão de uma nova lei sobre terras e colonização e de fortalecimento das relações diplomáticas com o governo prussiano. O Visconde de Abrantes, Encarregado de Negócios do Império Brasileiro em Berlim, era um dos defensores de mudanças na legislação para atrair maiores fluxos de imigrantes para colonização de terras públicas. Achava que os alemães eram os melhores agricultores da Europa e, por isso, os mais adequados para aquele propósito.
A promulgação da lei 601 - chamada “Lei de Terras” - em 1850, seguida da sua regulamentação em 1854, teve efeitos sobre a imigração: ela estabeleceu os critérios de venda das terras públicas, agora acessíveis, por compra, aos estrangeiros; definiu as disposições acerca da localização em áreas coloniais; e abriu espaço para a atuação dos governos provinciais, repassando para as províncias parte do controle sobre as terras devolutas e para empresas particulares interessadas na colonização, mesmo pertencentes a estrangeiros. Esse modelo de ocupação de terras devolutas, para o qual foram privilegiados imigrantes europeus - com a primazia dos alemães no sul - distanciou os mesmos da sociedade nacional, localizando-os fora das áreas ocupadas pela grande propriedade. Em Santa Catarina, o evento tornado paradigmático desta nova fase de implantação de colônias foi a fundação de Blumenau, ponto de partida para o povoamento do Vale do Itajaí. Em setembro de 1850, pouco antes da promulgação da Lei de Terras e conforme os interesses provinciais de incentivar as iniciativas privadas de colonização, o químico alemão Hermann Blumenau fundou, com 17 imigrantes, a colônia que levou seu nome. A fundação foi precedida por duas viagens de exploração, em 1847 e 1848 - período em que Blumenau esteve no Brasil como representante de uma associação protetora de imigrantes alemães. Nos anos seguintes, apesar do seu empenho e da propaganda sobre a colônia, Blumenau não foi bem sucedido na tarefa de agenciamento de compatriotas: dez anos após sua fundação, havia na colônia 943 habitantes, a maioria deles evangélico-luteranos - portanto, protestantes que sofriam restrições em razão do poder temporal da Igreja Católica no Brasil.
Diante dos problemas próprios de um empreendimento particular com poucos recursos e da dificuldade de trazer imigrantes em número suficiente para tornar viável a colonização de toda a região, Blumenau transferiu sua colônia para a província de Santa Catarina. Mas, apesar dessa oficialização, o fundador manteve-se na direção, juntamente com seus auxiliares e amigos - entre eles o naturalista Fritz Müller. A partir daí, e na condição de Stadtplatz, conforme a ela se referiam seus habitantes, a pequena vila de Blumenau transformou-se no centro de referência para a colonização da bacia do Itajaí. Aumentou o fluxo de alemães e, a partir de meados da década de 1870, começaram a chegar imigrantes de outras nacionalidades - sobretudo italianos e poloneses. Considerada uma das mais bem sucedidas colônias alemãs, sempre mencionada nos documentos oficiais e na propaganda do governo brasileiro, conhecida, por isso, no país e na Europa e objeto de grandes polêmicas nacionalistas por suas especificidades culturais e identidade étnica, possuía perto de vinte mil habitantes no ano de 1883, quando já havia obtido autonomia municipal. Naquela ocasião, mais de 70% da população tinha origem alemã e apenas 10% falavam a língua portuguesa.
O outro pólo mais importante da colonização em Santa Catarina também surgiu da iniciativa particular: a Colônia Dona Francisca, futura Joinville, surgiu em 1851 por iniciativa da Sociedade Colonizadora de Hamburgo, criada em 1849 pelo Príncipe de Joinville com a finalidade de localizar imigrantes europeus no território que recebeu como dote, por ocasião do seu casamento com a Princesa Dona Francisca, irmã do Imperador Dom Pedro II, situada na região nordeste de Santa Catarina, próxima à vila de São Francisco do Sul. Heterogênea quanto à composição dos contingentes imigratórios iniciais - os primeiros imigrantes eram, em sua maioria, suíços e noruegueses - logo seria outra importante “colônia alemã”. Seus administradores eram representantes do Príncipe de Joinville, proprietário, de fato, da área colonizada, destacando-se, entre eles, Eduard Schroeder, Leonce Aubé e J.O.L. Niemeyer. A empresa colonizadora expandiu a colonização até o planalto, abrindo vias de comunicação, como a Estrada Dona Francisca, fundando novos núcleos como São Bento do Sul - autorizada por sucessivos contratos para introdução de imigrantes, com predominância de alemães, ratificados por decretos até o início da República. A expansão de Joinville foi rápida: em 1866 obteve o estatuto de município e em 1877 passou a ser considerada cidade, apresentando um ainda incipiente processo de industrialização.
No ano de 1860, por iniciativa do governo provincial, começou a ocupação da região do rio Itajaí-Mirim, com o estabelecimento dos primeiros imigrantes alemães na Colônia Itajaí, depois denominada Brusque, sob a direção do austríaco Maximilian von Schneeburg, a serviço do governo imperial brasileiro. Trata-se do terceiro pólo mais importante da colonização alemã em Santa Catarina, para onde foram direcionados imigrantes de várias procedências, inclusive franceses e irlandeses - que depois se retiraram - além de italianos, mas acabou prevalecendo a maioria de alemães. Em algumas das suas linhas coloniais, especialmente as que acompanharam o curso do ribeirão da Guabiruba, ocorreu a concentração de lavradores oriundos de Baden, assentados nos anos de 1860 e 1861, logo após a fundação da Colônia Itajaí. No atual município de Guabimba ainda é falado o dialeto trazido por esses imigrantes. Em razão do progresso econômico e densidade populacional, Brusque obteve sua emancipação municipal em 1881.
Assim Blumenau, Joinville e Brusque podem ser considerados os três principais núcleos urbanos derivados da colonização alemã em Santa Catarina e continuaram a receber imigrantes após a criação dos municípios. Na verdade, os assentamentos prosseguiram até as primeiras décadas do século XX, administrados por empresas colonizadoras ou pela Inspetoria de Terras e Colonização. Dessa expansão, por exemplo, surgiu a colônia de Jaraguá, em 1879, estabelecendo-se uma continuidade espacial de ocupação humana entre o Vale do Itajaí e Joinville. Na primeira república intensificou-se a colonização do alto Vale do Itajaí e áreas próximas no planalto, através da ação de empresas particulares, especialmente da Sociedade Colonizadora Hanseática, criada em Hamburgo em 1897 para substituir a Sociedade Colonizadora de Hamburgo, responsável pela fundação de Joinville. Entre outros núcleos, essa empresa fundou a colônia Harmonia, atual Ibirama, em 1898. Uma parte dos colonos assentados pela Hanseática vinha das regiões coloniais mais antigas.
Imigrantes alemães e, principalmente, colonos de origem germânica provenientes das chamadas “colônias velhas” do Rio Grande do Sul também tiveram papel relevante na colonização do planalto catarinense, intensificada após as disputas de limites com o Paraná e do episódio conhecido como Guerra do Contestado - um processo em parte associado à construção da Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande. Várias empresas particulares atuaram no médio e extremo oeste, recebendo grandes concessões de terra para colonização, inclusive a Brazil Development and Colonization, subsidiária da construtora da ferrovia. Ali foram raras as colônias etnicamente homogêneas, embora predominassem os colonos de origem italiana e alemã. No entanto, há casos de concentração maior de alemães e descendentes na região oeste, como na colônia de Porto Novo, hoje Itapiranga, fundado em 1926 pela Volksverein für deutsche Katholiken – SociedadeUnião Popular para Católicos Alemães, associação idealizada pelo padre jesuíta Theodor Amstad, com o objetivo de assentar em Santa Catarina o excedente da população camponesa católica das regiões de colonização mais antiga do Rio Grande do Sul. Processo semelhante ocorreu em Palmitos onde, no início da década de 1930, surgiu um núcleo colonial composto por famílias de religião evangélica-luterana. Na região do Rio do Peixe merece destaque a experiência colonizadora empreendida pelo austríaco Andreas Thaler, que ali estabeleceu, com tiroleses, a colônia de Dreizenlinden, Treze Tílias, em 1933. Ainda nessa área do meio oeste, e na mesma época, dois imigrantes alemães, René e Arnoldo Frey, deram início a várias atividades econômicas, entre elas a fruticultura, com ênfase no cultivo da maçã - ponto de partida para o surgimento do município de Fraiburgo.
Os dados apresentados, certamente incompletos, mostram a importância da participação de alemães na colonização de Santa Catarina. Circunstancialmente, até tiveram primazia nessa forma de ocupação do solo, embora as autoridades brasileiras, os formadores da opinião pública e as lideranças imigrantistas estivessem divididas: por um lado, havia o argumento da eficiência, do conhecimento agrícola e do sucesso de algumas colônias; por outro, os críticos da imigração alemã falavam constantemente em “enquistamento étnico”, distância cultural e lingüística, enfim, em dificuldades de assimilação. Mesmo assim, as entradas de imigrantes de língua alemã - referência que Emílio Willems, um dos grandes estudiosos do tema, preferia utilizar na quantificação dos fluxos - tiveram certa constância até o início da década de 1930, inclusive em Santa Catarina. A maior concentração de descendentes encontra-se, hoje, no Vale do Itajaí e na região que tem como principal pólo econômico a cidade de Joinville, a mais populosa do estado; mas, como vimos, imigrantes e famílias oriundas de colônias mais antigas participaram da ocupação do oeste, dentro do mesmo modelo de colonização.
Assim, a colonização de Santa Catarina, especialmente depois de 1850, realizou-se através da concessão familiar de lotes com aproximadamente 25 hectares, demarcados a partir de picadas abertas na floresta, chamadas “linhas” - muitas vezes acompanhando os cursos d’água. Nesse sistema prevaleceu o que o geógrafo Leo Waibel denominou de povoamento rural disperso em fileiras - apesar da regularização observada na concessão dos lotes. Em cada região colonial, a ocupação das terras realizou-se a partir de um centro demarcado com “lotes urbanos” - as linhas acompanhando as margens dos rios e ribeirões, afastando-se progressivamente do núcleo original planejado para ser uma vila, concentrando comerciantes, artesãos, administração, igrejas, escolas, serviços em geral. Tal formato de ocupação refletiu-se, mais tarde, no traçado de muitas cidades, especialmente no Vale do Itajaí. Os colonos recebiam seus lotes por compra, a prazo, contraindo a chamada “dívida colonial”. Os assentamentos, em quase todas as áreas, foram continuados, às vezes com excesso de imigrantes aguardando suas concessões; principalmente no século XIX, as condições precárias da maioria das colônias originaram conflitos abertos com a administração e retiradas em grupos - contrariando o tom laudatório das idealizações sobre a “vocação pioneira” dos colonos e o desenvolvimento econômico. O sistema, controlado pelo estado e por empresas particulares sujeitas à legislação sobre imigração e colonização, era instável e resultou em grande mobilidade espacial dos imigrantes e seus descendentes.
A colonização foi concebida como um modelo perfeito, antecipando até os espaços destinados às futuras povoações. Mas os burocratas que o conceberam não previram as dificuldades de demarcação de lotes, localização de imigrantes em áreas de floresta virgem, acidentadas, nem sempre apropriadas para exploração agrícola. Apesar dos inúmeros problemas causados por essa situação, ocorreu um processo histórico de formação de um campesinato teuto-brasileiro, cuja base econômica é o lote colonial familiar e com produção diversificadora (policultura), que resultou numa sociedade diferenciada no meio rural brasileiro.
Por outro lado, os núcleos urbanos se desenvolveram, progressivamente, nas áreas previstas pelos projetos coloniais, concentrando os serviços especializados, o comércio, as atividades recreativas, culturais, escolares e religiosas. Tornaram-se pólos de atração para muitos colonos, sobretudo a partir da segunda geração, que buscaram alternativas de trabalho fora da agricultura. De fato, a industrialização em Santa Catarina começou, de forma mais sistemática, nas regiões de colonização germânica - onde já haviam surgido muitas pequenas empresas artesanais de beneficiamento de produtos agrícolas, além de curtumes, cervejarias, marcenarias, ferrarias etc. Imigrantes que se dedicaram ao comércio de produtos coloniais tiveram rápida ascensão social e acumularam capital suficiente para iniciar a industrialização, que foi concomitante com o crescimento dos centros urbanos no Vale do Itajaí e em Joinville.
As primeiras indústrias não vinculadas à produção colonial surgiram na década de 1880. Em Blumenau, este foi o caso das indústrias têxteis fundadas pelos irmãos Hering, por Johann Karsten, Heinrich Hadlich e Gustav Roeder. Em Brusque, a primeira fábrica de tecidos surgiu da iniciativa do comerciante alemão Carlos Renaux em 1892; pouco depois, em 1898, Eduardo von Buettner, também comerciante, instalou uma fábrica de bordados que daria origem ao segundo maior grupo textil local; a terceira maior empresa têxtil teve origem mais artesanal, fundada em 1911 por Gustavo Schlösser, tecelão emigrado da cidade de Lodz, Polônia, que havia trabalhado na empresa de Renaux.
O tecelão Carl Gottlieb Döhler, da Saxônia, estabeleceu a primeira fábrica de tecidos em Joinville, em 1881. No processo de industrialização do Vale do Itajaí predominou o setor têxtil, importante também em Joinville. Ali, porém, houve maior diversificação do parque industrial, com o surgimento, ainda no século XIX, de um forte setor metalúrgico, iniciado em 1886 por K. E. Auerbach, além de indústrias de produtos alimentícios - como, por exemplo, a fábrica estabelecida por J.G. Stein em fins do século XIX - ou, ainda, na área da celulose - caso da fábrica de colas, lixas e papéis criada por Gotthard Kaesemodel em 1903.
Os empresários recrutaram a maior parte da mão-de-obra para as fábricas entre os colonos, suprindo a falta de técnicos especializados com imigrantes trazidos da Alemanha para esta finalidade; e o crescimento industrial, principalmente depois da 1ª Guerra Mundial, contribuiu para a expansão urbana, com a formação de bairros operários que, ainda hoje, se confundem com a paisagem rural, visto que muitos assalariados mantêm alguma prática agrícola complementando a renda familiar.
Conforme assinalado na historiografia, a “colonização alemã”, sob todos os aspectos, foi bem sucedida em Santa Catarina, a despeito das dificuldades enfrentadas pelos pioneiros e da repressão ocorrida durante a campanha de nacionalização, no Estado Novo (1937-1945). A industrialização consolidada no século XX abriu novo mercado de trabalho para um campesinato que começava a enfrentar dificuldades de acesso à terra, diante da saturação do modelo colonial baseado no lote de 25 hectares. Este crescimento econômico e urbano, as aspirações políticas resultantes da criação dos novos municípios a partir da década de 1880, além da utilização cotidiana do idioma alemão e da nova configuração sócio-cultural derivada do processo histórico de imigração e colonização, com forte permanência de costumes e valores germâ-nicos, deram maior visibilidade às regiões colonizadas majoritariamente por imigrantes de etnia alemã em Santa Catarina.
Organização comunitária, identidade étnica e a campanha de nacionalização
As atividades comunitárias voltadas para a manutenção dos costumes, cultura e língua materna foram bastante intensas até a década de 1930. Essa realidade etnicamente configurada tornou-se o principal ponto de atrito com os nacionalistas brasileiros e razão maior de uma convivência às vezes conflituosa, que culminou com a campanha de nacionalização.
Os imigrantes, em geral, tiveram pouco contato com a sociedade brasileira na fase pioneira. O sentido de povoamento, implícito no processo colonizador, deixou uma população majoritariamente estrangeira em relativo isolamento. O governo e as empresas colonizadoras providenciaram uma infra-estrutura mínima de serviços públicos - na maior parte dos casos insuficientes. A demarcação das linhas e lotes coloniais e a abertura de vias de comunicação ficou a cargo de colonos contratados para este fim. Os relatórios dos diretores de colônias fazem muitas referências a reivindicações que remetiam à falta de escolas, assistência médica, sacerdotes etc. A insuficiência desses serviços estimulou os próprios colonos a tentar resolver os problemas através de uma organização comunitária. Dessa forma, surgiu a “escola alemã” - inicialmente uma alfabetização quase caseira levada a cabo por um colono mais instruído, base da escola comunitária rural. Depois, as escolas particulares com ensino em língua alemã organizaram-se na forma de associações, em grande parte vinculadas às comunidades religiosas - católicas e evangélicas luteranas. Tal organização escolar foi o principal alvo da campanha de nacionalização, considerada um obstáculo à assimilação, porque permitia a continuidade do aprendizado de um idioma estrangeiro em detrimento da língua oficial. Certamente a “escola alemã” - que não surgiu, propriamente, de motivações étnicas - teve papel importante, porém não preponderante, na transmissão de valores culturais e da língua alemã. Sob este aspecto, as associações recreativas, esportivas e culturais, presentes em praticamente todas as colônias fundadas no século XIX, marcaram a vida cotidiana de imigrantes e descendentes desde os tempos pioneiros. Destacaram-se, entre elas, as associações conhecidas pelas denominações de Schützenverein, Turnverein e Gesangverein (ou Sängerverein) - isto é, sociedades de tiro, de ginástica e de canto (ou de cantores). Sua função recreativa era óbvia, mas certas especificidades e o apego aos valores culturais do país de origem, expressos através de apresentações teatrais, de canto e até mesmo nos bailes, ajudavam a afirmar uma identidade coletiva definida pela cultura. A significância numérica das associações espantou muitos viajantes que percorreram Santa Catarina até a década de 1930: eles assinalaram sua “feição germânica”, enfatizada, igualmente, por alguns nacionalizadores que fizeram questão de, num exagero retórico, chamá-las de “associações cívico-culturais”.
A imprensa em língua alemã também possuiu uma posição de destaque como veículo do germanismo, Deutschtum, e das aspirações políticas da elite teuto-brasileira. Os principais jornais surgiram no século XIX e deixaram de circular, definitivamente, durante a campanha de nacionalização. O primeiro número do Kolonie Zeitung, de Joinville, saiu em 1862 - é o mais antigo de Santa Catarina e o que mais tempo circulou. Seu fundador e mais importante redator foi Ottokar Dörffel, um refugiado da revolução de 1848. No ano de 1881, o tipógrafo Hermann Baumgarten fundou o Blumenauer Zeitung - primeiro jornal editado no Vale do Itajaí. Pouco depois, em 1883, apareceu outro jornal, o Immigrant, assumido como órgão do Partido Liberal, com três redatores, entre eles o naturalista Fritz Müller. Seu proprietário era o tipógrafo B. Scheidelmantel. Esse jornal deixou de circular em 1891; seu acervo e oficina serviram de base para a fundação do mais polêmico jornal teuto-brasileiro, o Der Urwaldsbote, em 1893. O Pastor Faulhaber editou o jornal em nome da Comunidade Evangélica Luterana de Blumenau; mas não conseguiu mantê-lo fora das querelas políticas, passando a redação para Eugen Fouquet, imigrante formado em Direito na Alemanha, que imprimiu ao jornal um viés mais germanófilo. Deutschtum passou a ser o assunto mais enfatizado, objeto de crítica por parte da imprensa brasileira, sobretudo quando o jornal foi comprado pelo tipógrafo G.A. Koehler em 1898. Outros jornais tiveram duração bem menor e circulação mais restrita, mas possuíam o mesmo perfil caracterizado pelas aspirações políticas dos seus proprietários e redatores, pela defesa dos interesses da população teuto-brasileira e pela retórica vinculada ao germanismo, além da informação e das matérias de interesse local. Entre eles podem ser destacados: Rundschau (Brusque), Joinvillenser Zeitung (Joinville) e São Bento Anzeiger (São Bento do Sul).
A atuação dos jornais, por outro lado, aponta para a questão da representatividade política da elite teuto-brasileira emergente nos municípios criados nas áreas de colonização - atuação conciliada com os princípios da cidadania e com o engajamento político partidário. Isso foi possível, sobretudo, a partir de 1889, porque o regime republicano deixou mais fácil a naturalização e concedeu inteira liberdade de culto, beneficiando assim os protestantes, sujeitos, até então, a certas restrições nos direitos civis, em razão do poder temporal da Igreja Católica durante o Império.
Várias lideranças políticas teuto-brasileiras surgiram a partir da República em Santa Catarina, começando por Lauro Müller - o filho de um imigrante da leva de 1829, estabelecido em São Pedro de Alcântara e depois comerciante na vila de Itajaí. Nascido no Brasil em 1863, aos 19 anos ingressou na Escola Militar do Rio de Janeiro; em 1889 era tenente-engenheiro e ajudante de ordens do Marechal Deodoro da Fonseca. Esse acaso o conduziu ao cargo de governador nomeado de Santa Catarina por ocasião da proclamação da República, dando início a uma carreira que culminou com a indicação para o cargo de Ministério das Relações Exteriores, que ele deixou em 1917 por causa das pressões nacionalistas insuperáveis face aos desdobramentos da 1ª Guerra Mundial.
O município de Blumenau, até 1930, quando foi desmembrado, era o maior colégio eleitoral de Santa Catarina; da mesma forma, Joinville e Brusque, entre outras colônias, tinham relevância econômica, e os empresários e a elite cultural, em nome dos interesses locais, reivindicaram maior participação política, ingressando no sistema partidário brasileiro - o que resultou num predomínio teuto-brasileiro nas câmaras municipais e prefeituras. Para além do âmbito estritamente local destacaram-se na política estadual: Felipe Schmidt, oficial do exército brasileiro como Lauro Müller, que foi governador do estado; os irmãos Vitor e Adolfo Konder, cujo grupo dominou a cena política estadual até 1930; e Irineu Borhausen, ligado à família Konder, que governou o estado de 1951 a 1956.
O engajamento político-partidário, que na República levou várias lideranças a cargos eletivos no Congresso Nacional, o crescimento econômico e até mesmo as matérias dos jornais são indicadores da integração das áreas coloniais à “nova pátria”, para usar uma expressão de uso comum até meados do século XX, concomitantemente com as diferenças culturais e a identidade étnica reportada à “velha pátria” (Urheimat).
No seu estudo sobre a aculturação dos alemães no Brasil, publicado em 1946, Emílio Willems - cientista social alemão que emigrou para o sul do Brasil no início da década de 1930, atuando como professor em Brusque e Florianópolis até transferir-se para a Escola de Sociologia e Política de São Paulo - utilizou a expressão “cultura híbrida” para fazer referência à especificidade sócio-cultural encontrada nas regiões onde houve predomínio de imigrantes alemães. O autor chamou essa cultura híbrida de “teuto-brasileira”, uma categoria de identificação amplamente utilizada pela imprensa em língua alemã e pelas elites coloniais para expressar o pertencimento à etnia germânica e à cidadania brasileira. A noção de hibridação cultural supõe, tanto na construção da identidade teuto-brasileira quanto no conceito de Willems, a combinação de elementos culturais trazidos pelos alemães com elementos da cultura brasileira, além de respostas a necessidades novas advindas do sistema de colonização.
Assim, na década de 1930, período em que a imigração alemã entrou em declínio e o governo brasileiro instituiu seu programa de nacionalização, as associações recreativas e culturais, o sistema escolar particular com ensino em alemão, o uso cotidiano da língua alemã e a significância numérica dos que professavam a fé evangélica-luterana chamavam a atenção para as particularidades mais especificamente germânicas das diversas comunidades, sobretudo no vale do Itajaí, tornado mais visível por sua relevância política na Primeira República. No entanto, a própria questão da língua falada pela população teuto-brasileira, como observou Willems, aponta para mudanças importantes: na verdade, é um dialeto surgido no Brasil, com alterações gramaticais significativas, incorporação de termos da língua portuguesa devidamente “germanizados”, enfim, um produto do processo imigratório. Na prática, é elemento constitutivo da cultura teuto-brasileira, que torna seus falantes diferentes dos seus antepassados alemães e dos seus compatriotas brasileiros. Outro elemento distintivo que aparece com freqüência nos textos de autores brasileiros referidos ao Vale do Itajaí diz respeito à Wohnkultur - isto é, o tipo de construção e o modo de organização do ambiente doméstico representariam um estilo de vida, um ethos, próprio do “colono alemão”, num contexto em que a identidade de colono tem um sentido genérico, sinônimo de imigrante.
A noção de estilo de vida vai além: engloba a vida associativa e a Wohnkultur, já referidas, mas também aspectos mais pontuais da especificidade cultural, como, por exemplo, os hábitos alimentares. Existem muitos relatos sobre a difícil adaptação dos colonos pioneiros ao cardápio à base de feijão preto, farinha de mandioca e carne seca, oferecido nos alojamentos onde aguardavam a concessão de lotes. Na verdade, ao longo do tempo ocorreram adaptações da culinária trazida pelos imigrantes aos produtos da lavoura local, além da introdução da horticultura. A Apfelstrudel se transformou em Bananastrudel, pois a maçã começou a ser cultivada no Brasil só na segunda metade do século XX; o pão de centeio foi substituído pelo pão de milho, em que a massa recebe o reforço de tubérculos como a batata doce e o cará; o aipim cozido tornou-se tão popular quanto a batata; e as frutas brasileiras passaram a ser usadas para elaborar um tipo de geléia chamada Schmier ou Mus. À parte as reelaborações culinárias, muito mais numerosas do que estes poucos exemplos sugerem, deve ser observado que, na maioria dos núcleos coloniais - sobretudo no Vale do Itajaí e em Joinville - não tardaram a surgir pequenas fábricas para produção de cerveja, Sauerkraut - popularizado como “xucrute”, conservas de pepino e beterraba, salsichas e carne de porco defumada. E nas mesas dominicais, no passado como hoje, não podia faltar a Kuchen com sua cobertura de frutas. Algumas dessas fábricas são, hoje, grandes empresas, como a Hemmer, de Blumenau. Assim os descendentes mantiveram muitos hábitos ancestrais, alguns devidamente aculturados no meio brasileiro, e também incorporaram elementos trazidos por outros grupos imigrados - sobretudo italianos - caso, por exemplo, do uso mais do que difundido da polenta. A culinária colonial - rural e urbana - é, portanto, uma curiosa mistura de hábitos trazidos por diferentes etnias - com predominância alemã e italiana.
Viajantes, jornalistas, oficiais do exército brasileiro que passaram pelas regiões de colonização alemã em Santa Catarina até a década de 1940 registraram aspectos da vida cotidiana e da paisagem urbana e rural, manifestando sua admiração pelo progresso econômico e estranhando a falta de “brasilidade” - isto é, percebiam as “colônias alemãs” como lugares muito diferentes da realidade nacional. Nos anos 1930, as casas em enxaimel e outros tipos de construção características da Europa Central eram comuns; predominava o uso da língua alemã, inclusive nos anúncios e indicações de empresas comerciais, hospitais e outros prédios públicos; a bicicleta era amplamente utilizada como meio de transporte, sobretudo pela classe operária; famílias inteiras freqüentavam clubes e outros lugares públicos - o que chamava a atenção para a importância das associações; e havia escolas com ensino exclusivamente em alemão e uma imprensa que defendia uma identidade teuto-brasileira enfatizando a germanidade. São apenas alguns indicadores de diferenciação sócio-cultural e de sentimento de pertença étnica, hoje até valorizada pela perspectiva multiculturalista, mas que na época pareciam ameaçar a assimilação de uma população classificada como “alienígena”. Com certo exagero, entre os nacionalizadores de 1937 houve quem quisesse substituir as inscrições góticas nas lápides tumulares para retirar-lhes o “caráter germânico”.
Nessa época era visível a presença nazista em Santa Catarina, inclusive em algumas escolas alemãs e na imprensa, fato que deu novas motivações para a intervenção direta nas instituições teuto-brasileiras, visando a assimilação. Propostas de intervenção nas instituições comunitárias e de proibição do uso público da língua alemã já eram comuns desde fins do século XIX, quando estava em evidência a propaganda pangermanista e se afirmava uma identidade dupla enfatizando, por um lado o sentimento de germanidade, e, por outro, a cidadania e a vinculação com a nova pátria brasileira. Para o nacionalismo brasileiro, essa forma de identificação era uma impropriedade, e lugares como o Vale do Itajaí, por exemplo, passaram a ser vistos como “quistos étnicos” - apesar dos estudos sociológicos que mostravam a irreversibilidade do processo de assimilação e integração à sociedade brasileira. Assim, o Estado Novo - um regime autoritário e fortemente nacionalista - não só produziu uma legislação mais restritiva sobre a imigração, como interferiu na vida cotidiana de imigrantes e descendentes estabelecidos no país. A campanha de nacionalização visava à assimilação irrestrita - atingindo, pois, todos os grupos imigrados. Mas as denúncias sobre as atividades nazistas e, depois, a entrada do Brasil na II Guerra Mundial contra a Alemanha, resultaram numa repressão mais intensiva nas regiões de colonização germânica. Em Santa Catarina, a atividade nacionalizadora foi particularmente severa no Vale do Itajaí, considerado exemplo máximo de desnacionalização. As primeiras medidas atingiram, em 1937, o sistema escolar teuto-brasileiro - com a proibição do ensino em língua alemã e a substituição dos professores estrangeiros. A partir de 1939, outras medidas interferiram na vida comunitária: fecharam as associações culturais e recreativas, proibiram a língua alemã e quaisquer manifestações consideradas étnicas; tropas do exército foram enviadas para algumas cidades - como Blumenau - com a incumbência adicional de estimular o patriotismo e o civismo, causando certa indignação ao transformar algumas sedes de sociedades de tiro em quartéis provisórios.
A campanha destruiu a base étnica da organização comunitária. O desfecho da Guerra Mundial e a mudança do regime político, com o fim do Estado Novo, atenuaram o ímpeto nacionalizador, embora a proibição da língua persistisse por mais algum tempo. Aliás, o alemão só voltou a ser ensinado nas escolas de Santa Catarina, como língua instrumental, na década de 1980; e a maioria das associações culturais desapareceu, especialmente as Gesangvereine. Nessas circunstâncias, houve um recuo da língua alemã, especialmente nas cidades, visto que a proibição do seu uso atingiu toda uma geração.
A campanha de nacionalização produziu uma crise aos poucos superada, na medida em que as diferenças culturais e o pertencimento étnico deixaram de ser percebidos como ameaça à unidade nacional. O uso da língua alemã diminuiu na 2ª metade do século XX, especialmente nas cidades, em grande parte como resultado da integração à sociedade brasileira, nos termos do hibridismo cultural assinalado por Emilio Willems, sendo ainda comum no âmbito familiar e nas relações de vizinhança, no meio rural e na maioria das cidades com significativa população de origem alemã, como, por exemplo, Pomerode, Blumenau, São Bento do Sul, Guabiruba, Brusque, Timbó, Indaial, Joinville, etc. Além disso, nas últimas décadas foram retomadas formas de afirmação da singularidade cultural, que remetem ao passado da colonização e reafirmam uma identidade específica - quase sempre tradições anteriormente cultivadas nas associações que a campanha de nacionalização coibiu em 1939. Há um sentido de preservação do patrimônio arquitetônico remanescente dos tempos coloniais - com alguma crítica aos prédios públicos, construídos mais recentemente, que imitam o estilo enxaimel. Por outro lado, existem eventos de maior repercussão, que escapam à revivescência mais cotidiana dos valores culturais trazidos pelos antepassados, como a Oktoberfest realizada em Blumenau e suas assemelhadas em outras cidades de Santa Catarina. Sua realização, desde o início da década de 1980, tem motivações econômicas e turísticas - uma reinvenção, porém, apropriada como vitrina para mostrar diferenças culturais reportadas a um passado histórico compartilhado. Ao argumentar sobre sua especificidade como grupo usando elementos distintivos que reportam a certos hábitos alimentares, à dança e música folclóricas, ou mesmo a um estilo de vida, os descendentes de alemães estão acentuando a continuidade temporal da tradição oriunda do processo imigratório, num contexto pluralista de sociedade.
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