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Colunistas

15/02/2015

Se a diplomacia falhar... Edgar Welzel, de Stuttgart, Alemanha

Há, na Europa, dois tipos de analistas políticos. Uns, os mais céticos, dizem que o mundo saíu dos fusos e marcha para o abismo; outros, os mais comedidos, opinam que o mundo apenas saíu dos trilhos e basta recolocá-lo na devida trilha.

Basicamente os dois grupos sentem e dizem a mesma coisa: Há estopins em várias partes do mundo, prestes a explodir. Depende da razão humana de como apagar os focos de incêndio que ameaçam seriamente um confronto de maiores proporções.

A expressão “sair fora dos fusos” é frequente em linguagem cotidiana quando dizemos que alguém perdeu o juízo. Nem sempre os médicos conseguem curá-lo. É mais fácil recolocar uma locomotiva que saíu dos trilhos. Engenheiros, com adequado equipamento técnico, resolvem o problema.

No campo político, o equipameto técnico corresponde à diplomacia e esta, infelizmente, nem sempre consegue repor a locomotiva. O ano de 2015 apenas iniciara quando, em 7 de janeiro, islamistas radicais atacaram o jornal Charlie Hebdo e um supermercado judeu em Paris, em cuja oportunidade foram brutalmente assassinadas quinze pessoas.

Paris teve o seu “nine eleven”, o seu 11 de setembro que, em número de vidas, não corresponde ao que o mundo presenciou no ataque às torres do World Trade Center em Manhattan em 2001; em termos de impacto e repercussão mundial,bem pode servir de comparação. Paris, por alguns dias, tornou-se o triste centro das atenções mundiais e François Hollande, presidente da França, desde o início de seu governo, acuado por problemas internos, subitamente torna-se figura política além das fronteiras europeias que, num momento extremamente trágico, em hora certa encontrou as palavras certas para unir franceses de todas as facções e repudiar os infames e hediondos acontecimentos. Nunca, desde o governo do General Charles de Gaulle (1890-1970), presidente da França de 1959 até 1969, os franceses se sentiram tão unidos. François Hollande cresceu em estatura política.

Os europeus pareciam já ter esquecido o que acontecera em 11 de março de 2004 nos atentados a bomba nos trens de Madrid com 191 mortos e 2.051 feridos; pareciam já ter esquecido os atentados em Londres em 7 de julho de 2005 com 56 mortos e 700 feridos, sem lembrar uma série de outros episódios menores, por isso não menos sérios.

A brutalidade dos atentados no Charlie Hebdo e no supermercado parece que alertou a Europa, principalmente autoridades e os serviços secretos. Finalmente o mundo deu-se conta de que o que aconteceu em Nova Iorque, Madrid, Londres e Paris pode acontecer a qualquer hora em qualquer outro lugar. Generalizou-se a inquietação e o nervosismo, e as autoridades trabalham com vigilância máxima para garantir segurança total que, infelizmente, não mais existe.

Há preocupantes indícios de que o ano de 2015 será outro ano difícil e perigoso para a segurança internacional. Os conflitos surgidos no ano anterior, todos por demais conhecidos, continuam sem solução e tendem a agravar-se. A guerra na Ucrânia, a expansão do Estado Islâmico (IS), as atrocidades do Boko Haram na Nigéria e países vizinhos, diversos grupos radicais islâmicos em atividades terroristas na Somália, na Eritréia, no Iêmen, na Líbia e em alguns países da África Equatorial; as crescentes ondas de milhões de refugiados de guerra e milhares de migrantes principalmente do sul do Mediterrâneo, dos Bálcãs, do sudoeste europeu e da Ásia Central, onde talibãs do Afeganistão e do Paquistão poderão voltar às suas antigas atividades após a retirada das forças ocidentais.

Como se tudo isso não bastasse, vem aí a Grécia com um segundo choque e um novo governo que se comporta como se tencionasse impor novas regras de jogo ao resto da Europa. Jean-Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia, não tardou em enviar clara mensagem verbal a Alexis Tsipras, desde 26 de janeiro de 2015 novo primeiro-ministro da Grécia: “Caso o sr. Alexis Tsipras acredite que poderá impor o programa do atual partido do governo da Grécia ao resto da Europa, ele está redondamente enganado”.

Em relação à Ucrânia, François Hollande foi um dos políticos europeus que, desde o início dos acontecimentos na Praça Maidan e os consequentes movimentos separatistas do leste do país, defendeu a ideia de que o problema interno ucraniano não poderá ser resolvido com tanques e metralhadoras.

Neste particular, o presidente Hollande está em total sintonia com Ângela Merkel, chanceler da Alemanha que, após a anexação da Criméia por parte da Rússia e o consequente embargo da Europa e dos Estados Unidos contra aquele país, foi a única personalidade política do mundo ocidental que, apesar de tudo, continuou a manter constantes contatos com Vladimir Putin, presidente da Rússia.

É fato confirmado que Ângela Merkel, em regular frequência, fez uso de seu celular e digitou o número direto do presidente Vladimir Putin com o qual sempre teve boa afinidade e dialoga em dois idiomas. Putin domina o alemão e Merkel perfeitamente o russo.

Como exímia política, Ângela Merkel nunca deixou de contatar também Petro Poroschenko, presidente da Ucrânia, outra figura de importância neste jogo de xadrez político que, segundo parece, está sendo dirigido à distância por outros articuladores interessados.

Talvez sem o querer, mas é fato indiscutível que a chanceler Ângela Merkel e o presidente François Hollande automaticamente se projetaram como personalidades ideais para articular uma solução diplomática para a crise na qual se encontra a Ucrânia com reflexos em nível europeu.

Merkel e Hollande foram incumbidos oficialmente por parte da União Europeia para ajudar a resolver a crise no sul da Europa, a fim de evitar um conflito de maiores proporções dentro dos limites europeus, na Ucrânia, cuja capital Kiev, dista apenas duas horas de voo de Berlim, Bruxelas e de Paris.

Graças ao empenho de Ângela Merkel e de François Hollande, foi possível reunir representantes das partes conflitantes em Minsk, capital da Belarus, em setembro de 2014. Nesse encontro foi assinado um acordo de doze pontos que tinha todas as condições para amainar, e talvez terminar com o conflito cada vez mais exarcebado, no leste da Ucrânia.

Os quatro pontos mais importantes, o cessar fogo entre separatistas e o governo central em Kiev, a retirada de armas pesadas da linha de combate, a criação de uma zona desmitilarizada e a colocação de observadores teriam tido condições para interromper os combates. O acordo, no entanto, não teve nenhum efeito. Um dia após a assinatura voltaram a rugir os trovões dos canhões, dos tanques e as rajadas das metralhadoras no leste ucraniano.

Em aditamento ao acordo de Minsk, houve vários novos encontros com o objetivo de, no mínimo, conseguir um baixar de armas. Um general do exército separatista comentou a mediação da seguinte forma: “A nós não interessa o que for decidido em Minsk. Levaremos este assunto (a separação) até ao fim, custe o que custar!” François Hollande, ao regressar de Minsk, não escondeu seu desapontamento quando, numa entrevista, foi enfático: “Não há alternativa. A única que existe tem um nome: guerra!”

A situação na Ucrânia recrudesceu desde princípios do ano. Um assunto originariamente interno da Ucrânia tornou-se conflito internacional no qual, por um lado a Rússia e por outro a Europa e os Estados Unidos se acusam reciprocamente. Nenhum dos lados se põem a conciliar, e Vladimir Putin, se quiser continuar a permanecer no cargo, não pode perder . A Rússia precisa do leste Ucraniano para garantir a sobrevivência hidrográfica da Criméia. (Ver, neste contexto, Jornal Opção, edição 2046 de 21 a 27 de setembro de 2014: Por que a Rússia precisa da Ucrânia).

Ângela Merkel tem-se empenhado até ao limite físico em defender a tese de que o problema ucraniano não pode ser solucionado através das armas e refuta categoricamente o pedido da Ucrânia para o fornecimento de armas. Na primeira semana de fevereiro de 2015, a chanceler, sem medir esforços, movimentou-se entre Kiev, Moscou, Minsk, Berlim, Munique, Washington, Ottawa, Berlim e mais uma vez Minsk, com o único intuito de evitar uma guerra que a Europa não quer e que representantes da “linha dura” dos Estados Unidos aparentemente veem como inevitável.

O empenho de Ângela Merkel, de François Hollande e, justiça seja feita, também do laborioso Frank-Walter Steinmeier, ministro das Relações Exteriores da Alemanha, é altamente louvável. O incansável e quase sobre-humano trabalho de Ângela Merkel não só tem sido reconhecido irrestritamente em nível europeu, mas também mundial. Ângela Merkel tornou-se personalidade global e, com muita seriedade, François Hollande marcha em total sintonia, sem perda em termos de igualdade política, pacífica e humanitária ao lado de Ângela Merkel. Nunca, na história franco-alemã, houve tanta compreensão recíproca.

No meio destes contecimentos realizou-se, de 6 a 8 de fevereiro passado, a 51ª Conferência de Segurança de Munique, a “Munich Security Conference”, a MSC, na sigla em inglês. O que Davos é para a economia global, a MSC é o encontro dos estrategistas geopoliticos, ministros de defesa, generais, representantes das denominadas “think tank” e membros dos serviços secretos.

Foi esta plateia seleta que o senador americano do Arizona, John McCain, republicano da linha dura, usou para ofender a chanceler Ângela Merkel. E o fez sem constrangimento quando em entrevista disse: “Já que a chanceler diz que, de maneira alguma, deveremos fornecer armas aos ucranianos, a fim de que se possam defender e não serem carneados, ela está redondamente equivocada. Sou de opinião completamente diferente. A ela não interessa que a população seja carneada”.

John McCain é conhecido por seus ímpetos verbais muitas vezes descabidos. Ele usou o verbo “carnear”, adequado quando se fala em abater animais. Assessores da chanceler e políticos alemães exigiram que o senador se desculpasse oficialmente pelo deslize. John McCain não o fez. Ao contrário, emendou: “Acho isto inaceitável. Conheço os ucranianos e sei que estão sendo carneados pelos russos, com armas russas. Se alguém seriamente se nega a propiciar aos ucranianos a possibilidade de autodefesa e pede que me desculpe, eu respondo: diga-me, para quê devo desculpar-me? Não deveriam aqueles que se negam a fornecer armas desculpar-se perante as 5 mil famílias de ucranianos que foram carneados pelos russos?”

Em seu discurso, a chanceler Ângela Merkel inluíu uma frase, diretamente dirigida às criticas do senador John McCain (sem mencioná-lo) que ocupava a poltrona, na primeira fila, a poucos metros da oradora: “O problema é que eu não posso imaginar uma situação com a qual, através de fornecimentos de equipamento mais moderno ao exército ucraniano, o presidente Vladimir Putin se impressione de maneira que o leve a pensar que está perdendo militarmente. Digo isto de forma bastante clara”.

O insigne senador parece ter esquecido sua própria biografia. Ele, como orgulhoso veterano da Guerra do Vietnã, deveria lembrar-se de suas experiências de guerra e empenhar-se para evitar todo e qualquer confronto militar. No entanto, a mensagem por ele transmitida deixou a impressão que ele faz parte do círculo que não se esforça para evitar um confronto bélico com a Rússia. O presidente Barack Obama pensa diferente; ele concorda com Ângela Merkel em não fornecer armas à Ucrânia. Pelo menos de momento...

Na madrugada deste 11 de fevereiro terminou mais uma conferência em Minsk. As notícias divulgadas nas primeiras horas da manhã seguinte estão sendo comentadas de forma distinta e dão margem a várias interpretações. Um livro aberto é a curta declaração da chanceler Ângela Merkel, após 17 horas ininterruptas de discussões: “Ainda teremos um longo caminho a percorrer”!

Caso a diplomacia falhar, se a razão humana não conseguir recolocar o trem em seus trilhos, é provável que o estopim Ucrânia exploda, torne-se incontrolável e termine em catástrofe. Outro monte de escombros ao lado do Iraque, da Líbia e da Síria.... É exatamente isto que a Europa não quer.

*Edgar Welzel é jornalista gaúcho radicado em Stuttgart, Alemanha, e observador internacional.



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