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Colunistas

08/09/2016

O braço alongado de Erdogan - por Edgar Welzel*

O mundo ocidental vai observar inerte o nascer de nova configuração geográfica no Oriente Próximo?

Presidente da Turquia, Recep Erdogan, e o presidnete da Rússia, Vladimir Putin: vão ser parceiros agora? | Fotos: The Telegraph

Após a tentativa de golpe de 15 de julho passado na Turquia, as relações entre o governo de Ancara e a UE têm-se agravado de forma manifesta. As medidas restritivas do governo turco logo após a nebulosa revolta, a prisão ou demissão de milhares de funcionários públicos, professores , dezenas de generais e milhares de outros militares destituídos de seus postos, dezenas de jornalistas presos, 47 jornais e 16 canais de TV fechados, passaportes confiscados, milhares de pessoas em fuga e a perseguição em massa de seguidores de Fethullah Gülen, foram registradas com apreensão em Bruxelas. Passadas seis semanas o presidente Recep Tayyip Erdogan segue com suainexorável política de “limpeza”.

O desusado golpe causou estranheza seguida de silêncio em círculos europeus. As autoridades da maioria dos países têm sido cautelosas em expressar solidariedade com o governo em Ancara. Todavia, Vladimir Putin, presidente da Rússia, ligou a Erdogan ainda na noite do golpe oferecendo-lhe seu total apoio.

Em entrevista concedida à jornalista austríaca Antônia Rados, uma das mais competentes profissionais do ramo na Europa, respeitada em países islâmicos do Oriente Médio, em 12 de agosto passado, Recep Tayyip Erdogan queixou-se da falta de solidariedade dos líderes europeus em relação ao recente golpe em seu país. “A chanceler Ângela Merkel”, disse Erdogan, “ligou-me apenas três dias após o golpe. Iniciou com algumas frases de praxe e só no fim saiu com uma observação que estranhei: que se preocupa seriamente com o grande número de pessoas detidas ou despedidas de seus empregos na Turquia”. Erdogan não comentou a frase de Merkel, mas com um leve gesto de mão não deixou dúvida quanto ao que pensa em relação a preocupação da chanceler.

As relações entre a Turquia e a Alemanha sofreram um abalo em junho passado quando o Parlamento Alemão aprovou uma resolução declarando o massacre aos armênios durante a Primeira Guerra Mundial, no Império Otomano, de genocídio termo que o governo turco refuta há mais de 100 anos. A Alemanha é um dos últimos países europeus a aprovar uma resolução neste sentido. Outros países a aprovaram há anos. Em Brasília o Senado Federal, em 27.5.2015, aprovou a resolução 550/2015 que também declara o massacre aos armênios de genocídio.

Em repressão à resolução do Parlamento Alemão, o governo da Turquia impede autoridades civis e militares da Alemanha a visitar a Força Aérea da Alemanha na base da OTAN em Incirlik, no sul da Turquia. A Alemanha mantém, naquela base, um contingente de 240 soldados, pilotos, técnicos, aeronaves do tipo Tornado para voos de reconhecimento e um Airbus tanque para abastecimento em voo das aeronaves próprias e das de nações coligadas. A Turquia exige a anulação da resolução aprovada pelo Parlamento Alemão.

O governo em Berlim cogita transferir seu equipamento aéreo para a Arábia Saudita, Líbano ou Chipre caso representantes do parlamento alemão não conseguirem permissão para visitar os próprios soldados em Incirlik até fins de outubro próximo.

A perseguição generalizada de seguidores do movimento Hizmet fundado pelo intelectual turco Fethullah Gülen, há 17 anos em autoexílio na Pensilvânia (EUA), é vista com preocupação em círculos europeus. Erdogan acusa-o de ter arquitetado o golpe mas continua em dívida com a apresentação de quaisquer provas. Mesmo assim exige sua extradição do governo estadudinense.

O Hizmet (em tradução livre, auxílio ao próximo, comunidade) é um movimento transnacional social-religioso mantenedor de instituições educacionais de diversos níveis, inclusive universidades, em cerca de 160 países. Trata-se de uma organização diversificada com investimentos também em áreas como na saúde, empresas midiáticas, finanças e outras.

O Hizmet vê-se como um movimento pacifista de um Islã moderno em contraposição ao Salafismo extremado; alguns o veem como organização de práticas sectárias. Fethullah Gülen foi aliado de Recep Tayyip Erdogan até 2013 quando tornaram-se inimigos de forma irreconciliável. Desde então, o Hizmet, na Turquia, é declarado organização terrorista, um caso único pois não há registros evidentes de que esta organização jamais tenha-se destacada em movimentos políticos ou em atividades subversivas na Turquia ou em quaisquer outros países.

Para Erdogan, aparentemente, basta ser simples seguidor dos ensinamentos de Gülen para ser visto como terrorista. Gulenistas estão sendo perseguidos em qualquer lugar, cidade ou país onde se encontrem. Na Turquia a perseguição separou amigos, dividiu famílias, afastou vizinhos, dividiu a sociedade e dividiu o país. Este quadro não é diferente na grande comunidade turcas na UE.

Ahmet Akinti, cônsul-geral da Turquia em Stuttgart, capital de Baden-Württemberg, Estado no sul da Alemanha com cerca de 11 milhões de habitantes, em ofício dirigido ao ministro-presidente (corresponde ao governador) solicitou a observação de clubes, associações, escolas e demais instituições (num total de 40) que, segundo opinião de autoridades turcas, seriam financiadas e controladas pelo Movimento Izmet. O governador do Estado, refutou energicamente o ofício declarando-o “braço alongado de Erdogan e intromissão de autoridade estrangeira em assuntos nacionais”.

Em Colônia, cidade no centro-oeste da Alemanha, houve, domingo, 1° de agosto passado, grande demonstração, com a participação de cerca de 40 mil pessoas, organizada pela comunidade turca em apoio ao presidente Recep Tayyip Erdogan. Um discurso do presidente turco deveria ter sido transmitido de Ancara, via vídeo num telão, aos manifestantes. No mesmo dia e na mesma hora, um segundo grupo, oponentes de Erdogan, reuniu-se em protesto na mesma cidade. A polícia teve o cuidado de mantê-los separados, à segura distância. Tensão pairava sobre a cidade, razão pela qual o Superior Tribunal de Justiça, em última hora, proibiu a transmissão da mensagem de Erdogan.

A proibição da fala presidencial foi fortemente criticada por elementos da colônia turca (cerca de 3 milhões de pessoas). Na mesma noite o ministro da Justiça da Turquia, Bekir Bozdag, declarou em Ancara que a proibição foi um “ato ilegal” e “uma vergonha à democracia”. Erdogan, que brilha por não ter papas na língua, na acima citada entrevista com Antônia Rados foi contundente: “Sou o presidente da Turquia, eleito democraticamente com 52% dos votos e proibir-me de falar a meu povo na Alemanha é um ato ilegal. Não tenho o mínimo de respeito para com a Justiça da Alemanha”.

Além destas tensões outro cenário preocupa a UE e a OTAN: o reatamento das relações entre Recep Tayyip Erdogan e Vladimir Putin. Após o incidente aéreo de novembro de 2015 no qual a aeronáutica turca abateu um caça russo (se por engano ou de propósito, é detalhe que só entre os dois tem sido esclarecido), o relacionamento entre Moscou e Ancara baixou a nível zero.

Mas Putin e Erdogan sabem que, na guerra síria, um depende do outro. Houve a reaproximação e Putin convenceu Erdogan a dirigir uma carta à família do piloto russo morto no incidente garantindo a esta uma indenização. Co­mentou-se que Putin inclusive exigiu indenização pela perda da aeronave. Indenizar é o mesmo que admitir culpa.

Na Síria Putin e Erdogan, desde o início do conflito, há cinco anos, são aliados, embora que ambos defendessem interesses diferentes. Putin sempre defendeu a sobrevivência e a permanência do presidente da Síria, Bashar al-Assad, no poder; Erdogan, ao contrário, sempre optou por destitui-lo. Entrementes ambos são pela permanência de al-Assad pelo menos para uma fase intermediária.

Problemática é a atuação da Turquia em relação a milícia curda (os peshmerga) do Curdistão, região no norte da Síria, junto a divisa da Turquia. A milícia curda tem demonstrado bravo desempenho no combate aos facínoras do Estado Islâmico e estão sendo apoiadas pela OTAN, a UE e pelos EUA com apoio logístico aéreo, treinamento, fornecimento de armas e munição.
Os recentes ataques turcos em posições curdas na Síria marcam uma nova fase nesta infindável guerra tornando a situação ainda mais complicada. A Turquia, país membro da OTAN, combate um grupo apoiado pela OTAN, um procedimento estranho nunca antes registrado.

Joe Biden, vice-presidente dos EUA, em recente visita a Turquia, exortou as milícias curdas a retirar-se ao leste do Eufrates, o que causou estranheza; suas palavras também foram entendidas como se o destino da Síria fora entregue em mãos de Recep Tayyp Erdogan (e a seu aliado Vladimir Putin). Entrementes, dentro da OTAN, já se discute se a Turquia ainda é parceiro confiável. Uma questão extremamente problemática, pois os estatutos da OTAN contêm apenas regras de adesão de um país mas nenhum artigo ou parágrafo que trata de uma eventual exlusão de um país membro que se torna problemático.

Paira incerteza quanto aos planos de Vladimir Putin e Recep Tayyip Erdogan em relação à Síria. Um raciocínio vaticinador poderia levar-nos a concluir que ambos acabarão a tomar conta da Síria, dividindo-a em regiões de interesses estratégicos. A Turquia para evitar a criação de um Estado curdo no Curdistão; a Rússia para defender sua base naval nas imediações de Latakia, sua única saída direta para o Mediterrâneo. Para a Rússia a Síria provavelmente é apenas um trampolim, uma etapa, para um plano mais amplo, o de aumentar sua influência na região. Neste raciocínio teríamos que incluir também o Irã, aliado da Síria, que eventualmente poderia aparecer como terceiro interessado nesta divisão.

E a Europa, a OTAN, os Estados Unidos, enfim, o mundo ocidental, como reagiria? Perma­neceria inerte a observar o nascer de nova configuração geográfica no Oriente Próximo?

  

Matéria publicada também no Jornal Opção,
Edição 2148 de 4 a 10 de setembro
de 2016.
 
Cordialmente

 

 



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