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Colunistas

23/07/2014

Estudo científico sobre Imigração Alemã - por Rodrigo Eidam *

Através dos estudos de Jörn Rüsen sobre a formação da consciência histórica explicar, o processo pedagógico através do estudo de caso em duas colônias de origem alemã situadas nos Campos Gerais-PR

                     

 

 A ANÁLISE DA FORMAÇÃO DA CONSCIÊNCIA HISTÓRICA TOMANDO COMO ESTUDO DE CASO DUAS COLÔNIAS ALEMÃS NOS CAMPOS GERAIS- PR.

 

Rodrigo Eidam (rodrigoeidam@yahoo.com.br)

Formado em História Licenciatura pela UEPG, Mestre em Educação pela mesma instituição e professor de atualidades em cursinho pré-vestibular na cidade de Ponta Grossa-Pr e membro do grupo de pesquisa GEDHI o qual é coordenado pelo professor Dr. Luis Fernando Cerri.

 

Resumo

O presente trabalho, busca através dos estudos de Jörn Rüsen sobre a formação da consciência histórica explicar, o processo pedagógico através do estudo de caso em duas colônias de origem alemã ambas situadas nos Campos Gerais-PR.   

Os principais resultados deste trabalho mostraram que, o processo educacional em cada colônia, foi um fator significativo no gerenciamento da identidade em função de novos contextos, favorecendo ou não laços de continuidade entre as identidades nacionais originais e a identidade nacional resultante contemporânea de ambas as colônias estudadas. Para chegarmos às conclusões foi de suma importância nosso referencial teórico, entrevistas de campo e materiais didáticos usados para o ensino-aprendizagem da época.

A primeira colônia estudada, Bom Jardim do Sul, possuía uma escola particular em que todo o processo de ensino-aprendizagem, era voltado para continuação dos ideais alemães, porém, com a fase do regime do Presidente Getúlio Vargas e mais com o advento da Segunda Guerra Mundial essa escola veio a ser fechada e seus colaboradores perseguidos e muitos deles presos.

            A escola de Bom Jardim apresentava, à época, traços bastante nítidos de etnicidade, podendo-se citar a manutenção de seus costumes, o uso da língua e o ensino somente em alemão. No entanto, no processo que podemos considerar de aculturação desse grupo, pouco a pouco os costumes brasileiros foram sendo assimilados. A falta de liderança forte e de um sentimento de unidade podem ser considerados fatores que levaram a deculturação desse grupo. 

 

 

Somado a isso, com o fechamento da escola, com o fim do regime de Vargas e com o processo de nacionalização da população brasileira imposta por este regime, o grupo étnico de Bom Jardim foi se descaracterizando e atualmente essa colônia fala o idioma alemão antigo, ou seja, aquele trazido pelos imigrantes no início do século XX e a geração mais jovem não tem domínio algum do idioma.

A segunda colônia estudada, Witmarsum, ao contrário de Bom Jardim, passou muito bem pela ditadura da era Vargas tendo em vista que, esse grupo além do alemão também dominava um dialeto diferente, o qual tinha uma mescla de holandês, russo e alemão. Por isso, quando os representantes do governo da época vieram vistoriar a colônia, encontraram as pessoas falando outro idioma menos a língua alemã.

Apesar das perseguições e da fiscalização intensa do governo brasileiro, os imigrantes desta colônia conseguiram, através de um forte sentimento de manutenção de suas tradições, manter a integridade da comunidade.

            Ao término do regime de Getúlio Vargas, a escola da colônia voltou normalmente ensinar o alemão e é possível verificar que nos dias de hoje, a colônia de Witmarsum tem em seu currículo escolar o alemão moderno e formal. Um ponto importante a destacar é que, mesmo que na década de 1950, algumas iniciativas governamentais relacionadas à educação foram sendo implantadas nas colônias, mesmo assim em Witmarsum, optou-se pela manutenção de sua língua como a oficial dentro da colônia e o português em segundo lugar.

Através destes levantamentos nas colônias verificamos que as operações mentais descritas por Rüsen (2001), integrantes da consciência histórica resultam de uma via de duas mãos nela verificada, ou seja, o tempo humano e o tempo natural. Este último se configura como o tempo que vai de encontro aos anseios dos indivíduos, uma barreira em seu caminho, de acordo com as mudanças do mundo e do próprio ser humano em seu trajeto através da história.

Por outro lado, os indivíduos apresentam uma resistência ao tempo natural, denominado por Rüsen (2001), como o tempo humano. Os indivíduos agem neste tempo, buscando uma organização de modo a inventar meios para que suas ações transcendam os aspectos temporais vivenciados. Podem ser citadas como exemplo as tradições, costumes e símbolos, bem como as instituições neste cenário.

            Sendo assim, segundo Rüsen (2001) a consciência histórica é conduzida pelo intento da dominação do tempo pelo homem, supostamente ameaçado de desencontrar-se ante as transformações do mundo e dele próprio.

            No caso das operações mentais já mencionadas e que constituem a consciência histórica, pode-se dizer que estas se apresentam aos indivíduos de maneira que estes possam expressar determinações de sentido ao tomar decisões para a ação. Este processo se dá de acordo com uma terceira operação mental, e importante para este estudo, qual seja a narrativa. A capacidade de narrar confere ao indivíduo a maneira de externalizar sua consciência, de acordo com sua bagagem histórica.

            Dessa maneira, a narrativa, de acordo com Rüsen (1992, p. 29) caracteriza-se como “a forma linguística pela qual a consciência histórica realiza sua função de orientação”.        Ainda segundo Rüsen, a função prática da consciência histórica “confere à realidade uma direção temporal, uma orientação que pode guiar a ação intencionalmente, através da memória histórica”.

            Em outras palavras, a consciência histórica é fundamental para que possamos criar um sentido, ao julgarmos uma situação presente, tendo como base os acontecimentos do passado, para podermos tomar decisões realizando uma projeção do futuro.

            O processo de ensino-aprendizagem nestas colônias, tanto em Bom Jardim do Sul, quanto em Witmarsum, mesmo que analisados períodos distintos, quais sejam, as décadas de 1920 e 1950 respectivamente, mostrou um ponto em comum, uma intensa luta nestas colônias pela manutenção dos costumes étnicos e culturais em um ambiente desprovido de condições em oferecer melhores condições ao desenvolvimento das colônias, desde educação e infraestrutura. Assim, os colonos buscaram ao máximo manter sua tradição, meios de trabalho e educação, pois se viram, de certo modo, isolados do governo brasileiro.

Somado a isso, com o fechamento da escola, com o fim do regime de Vargas e com o processo de nacionalização da população brasileira imposta por este regime, o grupo étnico de Bom Jardim foi se descaracterizando e atualmente essa colônia fala o idioma alemão antigo, ou seja, aquele trazido pelos imigrantes no início do século XX e a geração mais jovem não tem domínio algum do idioma.

Os principais resultados mostram que o processo educacional, diferente em cada colônia, é um fator significativo no gerenciamento da identidade em função de novos contextos, favorecendo ou não laços de continuidade entre as identidades nacionais originais e a identidade nacional resultante contemporânea de ambas as colônias estudadas. Para chegarmos às conclusões foi de suma importância nosso referencial teórico, entrevistas de campo e materiais didáticos usados para o ensino-aprendizagem.

Com a realização deste estudo foi possível aprofundar os conhecimentos a respeito da imigração alemã nos Campos Gerais, sobretudo como o processo pedagógico influenciou diretamente na formação e preservação da consciência histórica através do estudo de caso de duas colônias citadas.

            Não temos pretensão de esgotar este tema, que ainda requer um aprofundamento maior para se entender outros mecanismos da integração e aculturação do imigrante alemão, sobretudo na região estudada. Espera-se que este tema desperte o interesse a pesquisas futuras que poderão elucidar sobre aspectos relevantes que ainda não se fizeram bem claros ou não foram aprofundados nesta investigação.

 

Palavras-chave: consciência histórica, imigração alemã, processo pedagógico, ensino de história, Campos Gerais do Paraná.

 


1. Introdução

 

Analisaremos os processos de constituição, reconstituição e caracterização da consciência histórica de imigrantes alemães no Brasil. Para isso, a título de estudo de caso, trabalharemos com as colônias de Bom Jardim do Sul e Witmarsum, Paraná, partindo de uma análise de elementos do processo escolar dessas colônias, filtrados pelas fontes documentais escritas remanescentes (cadernos de caligrafia, ditado e livros didáticos) e pelas fontes orais, que nos darão acesso a memórias e representações de ex-alunos de escolas dessas colônias sobre sua formação educacional.

            A consciência histórica diz respeito à interpretação do tempo pelos seres humanos, para que possam se nortear, conforme as suas necessidades e interesses e mesmo constituindo as bases pelas quais os sujeitos entendem, definem e praticam suas necessidades e interesses. Essa consciência é intrínseca ao ser humano, tendo um papel preponderante na sua existência, pois o orienta no tempo e estrutura a sua identidade, ao mesmo tempo em que determina a postura a ser tomada diante das situações encontradas (RÜSEN, 2001).

            Através dessa consciência é possível ao ser humano perceber e atuar no seu mundo e nas suas transformações.

Assim sendo, a pergunta de partida que caracteriza a delimitação do objeto e do campo de estudo do presente trabalho é: como os processos de ensino-aprendizagem, escolar e não escolar, formais e não formais dos imigrantes alemães do município de Bom Jardim do Sul e da Colônia Witmarsum, em Ponta Grossa - PR constituem a consciência histórica destes grupos?          

Este questionamento busca observar como os processos de ensino- aprendizagem dessas localidades, em recortes temporais diferentes, contribuíram para a formação da consciência histórica dos indivíduos desses grupos. Mais tarde, os resultados da investigação podem definir as peculiaridades de cada grupo, dadas as características distintas de região, delimitação temporal e espacial da análise.

Sendo assim, segundo Rüsen (2001) a consciência histórica é conduzida pelo intento da dominação do tempo pelo homem, supostamente ameaçado de desencontrar-se ante as transformações do mundo e dele próprio.

            No caso das operações mentais já mencionadas e que constituem a consciência histórica, pode-se dizer que estas se apresentam aos indivíduos de maneira que estes possam expressar determinações de sentido ao tomar decisões para a ação. Este processo se dá de acordo com uma terceira operação mental, e importante para este estudo, qual seja a narrativa. A capacidade de narrar confere ao indivíduo a maneira de externalizar sua consciência, de acordo com sua bagagem histórica.

Os procedimentos metodológicos utilizados para o presente estudo tiveram como base uma pesquisa exploratória e qualitativa. Com base no modelo proposto por Quivy e Campenhoudt (1992), foi delineada a trajetória metodológica a ser seguida para a preparação dos procedimentos de coleta e análise dos dados. Assim, de acordo com a obra destes autores, seguiu-se um modelo para estabelecer os passos da pesquisa, desde o estabelecimento da pergunta de partida, até o momento da análise dos dados, oriundos principalmente de entrevistas.

            O trabalho de pesquisa consistiu em realizar um estudo de caso nas colônias de imigrantes já mencionadas, utilizando-se principalmente de entrevistas exploratórias com os sujeitos selecionados para o estudo, nas duas colônias respectivamente. Foram realizadas visitas às colônias no segundo semestre de 2008 e primeiro semestre de 2009 para a prospecção dos dados.

            Foram selecionados como amostras da pesquisa, seis indivíduos, três de cada colônia, tendo como critério de inclusão para participação do estudo a descendência alemã, a vivência na colônia e principalmente o fato de terem estudado na escola colonial em sua educação básica.

           

2 A Educação dos imigrantes no Brasil e a  formação da Consciência Histórica

 

As discussões acerca da formação da consciência histórica são tema de relevantes debates, entretanto ainda não devidamente difundidos nos meios acadêmicos. 

 A principal discussão de Rüsen se situa no campo do pensamento, ou ainda, sobre a crise do pensamento. A esse respeito, o autor afirma que a modernização configurou-se como sinônimo de racionalização. A modernidade significa entender que o homem conseguiu desenvolver a capacidade de organização da vida humana, de acordo com os conhecimentos e com as descobertas devidas à pesquisa científica e a racionalidade. Tal competência foi ajustada com as promessas de pensadores proeminentes do advento da Idade Moderna, ou seja, com a promessa de edificar, através da racionalização, o “império do homem”. (RÜSEN, 2001, p. 81).

É nesse contexto mundial de modernização que ocorreram os processos migratórios e de adaptação dos imigrantes a um novo país que enfocamos nesse trabalho. A própria necessidade da migração populacional decorre dos processos de modernização que geram riqueza por um lado e carências por outro; as estruturas de transporte e de realocação de grandes contingentes populacionais são outro dado da modernidade que retira as coisas do lugar que tinham em sociedades tradicionais, deslocando inclusive as identidades e referências das pessoas.

De acordo com este raciocínio, pode-se inferir que o homem, pertencente às sociedades modernas nas quais a transformação é uma constante, para Rüsen, é constantemente desafiado na sua capacidade de dar sentido e significado à própria vida, de acordo com os moldes tradicionais anteriores. Necessita buscar esses elementos dentro de novos quadros contextuais. O autor referencia este fato como “crise de consciência de si”. (2001, p. 56)

            Assim sendo, de acordo com essa crise de consciência ou de racionalidade que atinge o homem, Rüsen apresenta o conceito de consciência histórica, que para ele configura-se como: “(...) a soma das operações mentais com as quais os homens interpretam sua experiência da evolução temporal de seu mundo e de si mesmos de forma tal que possam orientar, intencionalmente, sua prática no tempo.” (RÜSEN, 2001, p. 57).

Rüsen acredita que a ciência da História surge a partir da necessidade dos seres humanos a orientar sua vida prática no tempo, ou seja, orientar-se historicamente; todavia, seu desenvolvimento e especialização contínuas tornam essa função de orientação temporal uma possibilidade, não um resultado necessário da prática do historiador. Nesse sentido, ocorre uma relação dialética entre a história pesquisada e elaborada nos meios acadêmicos e a necessidade do ser humano comum em utilizar a história em seu cotidiano. Essa mediação não é feita de forma direta pelo conhecimento histórico acadêmico, mas sim por meio de formas de apresentação que adaptam informações, conceitos e valores a formatos inteligíveis e esteticamente interessantes para as pessoas às quais esse conhecimento chega. Isso significa, por exemplo, o emprego de livros didáticos, mas também de aulas magistrais, e ainda sermões religiosos e várias outras formas de comunicação pelas quais a história é colocada a conhecer pelos sujeitos. Com essas formas convivem outras narrativas sobre o grupo no tempo que se estruturam com base em outras lógicas de produção de saber, como a memória, o conhecimento revelado (religião), e assim por diante. Esse conjunto de conhecimentos estrutura as bases das quais os indivíduos retiram os elementos com os quais compõem tanto seu cabedal de saberes e opiniões quanto seus valores. Ao colocar tudo isso em prática, articulando o conhecimento do passado, as decisões do presente e as expectativas para o futuro, coletiva e individualmente, temos as operações da consciência histórica.

Por isso, ressaltamos que a colônia de Bom Jardim do Sul ainda possui muitas informações podendo servir de base a pesquisas sobre imigração, sobretudo a alemã, pois as pessoas que, se caracterizaram como os sujeitos da pesquisa são descendentes de famílias que acreditaram no nazismo, viam-no como uma opção melhor para o mundo. No entanto, esse mundo ficaria restrito a um determinado grupo étnico, ou seja, à raça alemã.

 Apesar de Bom Jardim do Sul estar completamente descaracterizada hoje como colônia alemã, as histórias ouvidas através dos antepassados deste pesquisador, influenciaram sobremaneira para a realização deste estudo, especialmente pelo fato de ter em mãos um material rico em informações sobre a colônia alemã e principalmente sobre a escola alemã na colônia.

Pode-se citar como material advindo da época em questão, livros e cadernos escolares utilizados na escola particular alemã de Bom Jardim, surgindo o interesse de verificar como aconteceu o processo de ensino-aprendizagem dessas pessoas que viviam e vivem até hoje em uma região rural. Os relatos e anotações de caderno de campo foram de suma importância, pois contribuíram para as reflexões relevantes não apenas ao mundo familiar do autor, mas também a possibilidade de se contextualizar um grupo social, o qual, apesar de um grande processo de deculturação, ainda se denominar de alemão.

            Houve a necessidade de ampliar o campo de pesquisa tendo em vista que Bom Jardim do Sul não seria suficiente para analisar tais elementos. A colônia Witmarsum veio a contribuir para analisarmos e chegarmos a determinadas conclusões mais concretas em relação ao processo de ensino-aprendizagem.

A história de um determinado grupo humano é composta em sua vida, desde os fatores geográficos, afetando as condições originais de povoamento, até as forças centrífugas de hoje. São os indivíduos que lidam com os elementos de adaptação para transformá-los num ambiente cultural. Em outras palavras, agem através de interesses, que são constitutivos da vida humana em sociedade.

            A esse respeito, Rüsen afirma que:

[...] a teoria da História abrange, com esses interesses, os pressupostos da vida cotidiana, e os fundamentos da ciência da história justamente no ponto em que o pensamento histórico é fundamental para os homens se haverem com suas próprias vidas, na medida em que a compreensão do presente e a projeção do futuro somente seriam possíveis com a recuperação do passado. (RÜSEN, 2001, p. 30).

 

A educação, que faz parte do contexto histórico com o qual nos defrontamos constantemente, também está fetichizada, dissimulada através de vários dogmas e mitos.  Pensando a relação social, esbarramos com o desconhecimento do real, com o mundo da aparência, com a inadequação de consciências e identidades sociais em relação ao ambiente e ao contexto em que se inserem. Em geral, a Educação vem desempenhando o papel de reprodutora - ou, na melhor das hipóteses, de fator pouco relevante para a revisão - da práxis fetichizada dos homens.

Devemos por sua vez também, contextualizar a chegada dos imigrantes no Brasil, a partir do final do século XIX e os aspectos relacionados à cultura e a etnicidade[1] dos imigrantes, sobretudo os alemães no Brasil

Com o advento do nazismo e sua chegada às colônias no Brasil, assinala Magalhães (1989), ocorre uma sobrevida ao sentimento de nacionalismo germânico, à sua identidade, o que faz com que a política local inicie um processo de desconfiança, proibindo manifestações culturais dos teuto-brasileiros, como associações e reuniões, dentre outros, com temor do “perigo alemão”, propalado na época.

Por diversas vezes pode-se encontrar em publicações e estudos da época, incentivos para que o povo alemão instalado nas colônias do Brasil não perdesse sua identidade, seus valores étnicos e culturais. Entre elas consta o trabalho do Pastor Wilhelm Fugmann, de Ponta Grossa, “A história da imigração dos alemães do Volga para o Paraná”, obra escrita como um boletim comemorativo em homenagem ao cinqüentenário da imigração desse grupo para o Brasil. Na referida obra, impregnada de um caráter nacionalista, Fugmann afirma que o povo alemão (residentes nas colônias) deve fazer de tudo para que não perca seus valores étnicos e culturais.

Ainda na obra de Fugmann, pode-se observar a afirmativa de que, cabia à escola, como instituição responsável pela manutenção desta unidade étnica e pela proteção aos valores culturais do povo.

            Nas palavras do autor:

 

A disciplina, os usos e costumes são estritamente preservados dentro da comunidade. Cuida-se de rigorosa ordem e limpeza dentro de casa. Reina ali o espírito cristão. Reza-se em comum, de manhã e à noite, antes e depois das refeições. O domingo é observado de modo edificante por práticas religiosas. Os adolescentes são educados na simplicidade e estimulados a trabalho, e manifestam grande respeito às pessoas idosas. Assim, os bons usos e costumes antigos passam inalterados de geração em geração. (FUGMANN, 2008, p 55.).

 

Na obra de Renk (2004) também encontramos referências à sólida etnicidade dos imigrantes alemães, especificamente no Estado do Paraná. A autora menciona que no final do século XIX e início do século XX, uma das características marcantes do contexto brasileiro à época era o alto índice de analfabetismo da população brasileira, o que não ocorria nas colônias de imigrantes alemães, onde quase não existiam analfabetos.

            Segundo a autora:

 

Nas relações com a sociedade brasileira, a manutenção da língua do país de origem era um traço de distintividade muito presente. A fronteira entre os grupos étnicos era a língua, que fazia a diferença entre brasileiros e imigrantes alemães. (...) Aqui, pode-se entender que a língua foi um diferenciador da identidade étnica, que se afirma por oposição.  (...) A língua falada em casa, na igreja, ensinada na escola, foi um elemento escolhido pelo grupo, como um importante símbolo da identificação étnica. (RENK, 2004, p. 62).

 

 

 

 

 

  1. As colônias Bom Jardim do Sul e Witmarsum.

 

3.1 A colônia de Bom Jardim do Sul.

 

Bom Jardim do Sul atualmente é um distrito do município de Ivaí, aproximadamente a 100 quilômetros de Ponta Grossa. Porém, até a década de 1960 do século XX, Bom Jardim pertenceu ao município de Ipiranga situado também nos Campos Gerais.

Vários foram os grupos de imigrantes europeus que se estabeleceram na região,  entre eles ucranianos, poloneses, holandeses, suíços e a maior parte italianos e alemães. Devemos salientar que, antes a efetivação desses grupos imigrantes, já havia colonos nativos na região que estavam estabelecidos há várias décadas, e voltados para a agricultura familiar.

Os alemães que vieram para Bom Jardim migraram de Santa Catarina no início da segunda década do século XX com o intuito de ampliar suas posses, e algumas famílias para comprar seu primeiro lote de terra. Uma parte desse grupo contava com elementos vindos da região de Berlim e outra parte da região da Pomerânia. Entretanto, ambos tiveram de se unir para que a nova colônia pudesse gerar beneficios para ambos. Por isso, o primeiro marco em comum foi a religião, pois todos são de denominação luterana, e o segundo foi imprescindível a criação de uma escola dentro da comunidade para que, a língua falada, o alemão oficial não fosse retringido por dialetos que cada grupo dominava.

A escola da colônia foi criada em 1923, com o nome de Escola Particular de Bom Jardim, particular porque todos da comunidade eram responsáveis por contribuir para manutenção e pagamento do professor. Com raras excessões algumas crianças que eram oriundas de famílias locais, não imigrantes, frequentavam a referida escola tendo em vista que, seu pais tinham condições de pagar as mensalidades da escola. A imagem a seguir apresenta a Escola Particular de Bom Jardim do Sul, tendo a frente o professor e alguns alunos, na década de 1920.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Figura 1 – Professor e alunos da Escola Particular de Bom Jardim do Sul – PR.

Fonte: Acervo do autor.

 

Devemos deixar claro que, o professor veio diretamente da Alemanha e permaneceu até o fechamento do estabelecimento escolar no período da Era Vargas, todas as aulas eram ministradas na lingua alemã formal. Primava-se pela perfeição, o que fica claro em alguns cadernos da época (caligrafia e ditado).

Segundo relatos dos depoentes da pesquisa, os alunos não descendentes de alemães não conseguiam se alfabetizar pois, os conteúdos trabalhados na escola, e inclusive a língua utilizada era o alemão.

            Ainda segundo os depoentes, o que mais as crianças dessa escola aprendiam eram cálculos matemáticos apesar dos enunciados estarem em alemão. Os materiais didáticos eram da Alemanha e o professor ministrava suas aulas dentro de planejamentos, os quais, seguiam uma regra geral de diversas colônias no Brasil baseado em métodos alemães da época.

            A partir da década de 1930, o ensino do português começou a ter mais importância, devido ao processo de nacionalização propagado pelo governo. Por outro lado, o aprendizado da lingua portuguesa era de extrema importância para o convívio e interação da colônia com o ambiente externo a ela.

Nos dias atuais Bom Jardim está totalmente descaracterizada como colônia alemã: não existe uma escola que ensine especificamente a lingua alemã no local. Os entrevistados, idosos, foram diretamente influenciados pelo processo pedagógico da escola colonial e pelo processo de aculturação que se seguiu após a 2ª Guerra Mundial. A lingua alemã é muito pouco falada, aparecendo apenas em momentos de cultos religiosos e completamente abandonada a partir de uma dada faixa etária. Também é possivel verificar através da pesquisa de campo que essa comunidade de alemães apoiou com enorme “fé” os ideais nazistas pois, acreditavam piamente que Hitler seria capaz de transformar o mundo em um local mais organizado e com menos misciginação. Nesse sentido, o educador era o elo entre a Alemanha e a colônia, e de sua palavra vinha a adesão ao nazismo.

Atualmente, a história dessa colônia, ficou restrita a poucos registros documentados.  Os cadernos que estão fazendo parte da pesquisa, bem como as fotos são do acervo pessoal do autor e o pouco relato escrito sobre a escola é na questão institucional baseado nos estudos do pastor Wilhelm Fugmann[2] sobre as diversas colônias de imigrantes alemães no Paraná.

 

3.2 A colônia Witmarsum.

 

Antes de adentrarmos na história e formação da colônia Witmarsum[3], é de suma importância ressaltarmos que, esse grupo étnico tem sua origem com aculturação de várias regiões da Europa entre elas a Rússia. Porém fica claro nos depoimentos dos sujeitos desta colônia que Witmarsum se coloca como de descendentes alemães, tendo em vista que o idioma falado no interior das familias e na escola da colônia é o alemão oficial e moderno. A escola é vista como central para essa comunidade na formação do cidadão da colônia e salientamos que, sempre ao fundarem uma nova colônia, esse grupo já projetava uma escola.

A formação da Colônia Witmarsum em julho de 1951, no município de Palmeira, resultou de um movimento colonizador espontâneo, realizado por reimigrantes menonitas, que anteriormente havia se estabelecido em Santa Catarina. Sua base econômica reside na agropecuária e atualmente investe no turismo.

Ao contrário de Bom Jardim, Witmarsum procura preservar seu passado e  projetam suas perspectivas para o futuro. O mais interessante que, Witmarsum conseguiu passar bem pela ditadura de Vargas que proibia as escolas das colônias alemãs a continuarem com o ensino do idioma alemão.

Essa passagem deu-se porque, em Witmarsum à época e até os dias atuais se fala o dialeto “puche”, que apresenta uma mistura de holandês, russo e alemão. Segundo os depoentes, quando representantes do governo varguista a serviço do processo de nacionalização de imigrantes vieram analisar a colônia de Witmarsum, ainda em Santa Catarina, observaram que os colonos estavam falando um idioma que não era o alemão.

A escola da colônia de Witmarsum recebe o nome de um nos primeiros professores do local, Fritz Kleiwer. Todos os alunos possuem quatro aulas semanais de alemão moderno e os professores não oriundos da colônia - e pagos pelo governo do Estado - são obrigados a também fazer quatros aulas semanais de lingua alemã.

            Por isso, nosso estudo verificou que, o processo escolar dos imigrantes alemães no Brasil, tinha a concepção de que todos deveriam ser escolarizados.

 

 

 

 

 

 

 

 

Figura 2 – Material didático utilizado na escola da colônia Witmarsum

Foto do autor (2009).

 

Especificamente no Estado do Paraná, Renk (2004) explica que o acompanhamento ao ensino oferecido em escolas alemãs pelas autoridades, tanto nacionais, quanto alemãs, tais como o Cônsul da Alemanha e da Áustria era uma constante no início do século XX. Pois era de grande interesse a qualidade do ensino nessas escolas.

            A esse respeito Renk (2004, p. 70) explica que:

 

Inúmeros artigos, publicados no jornal Der Kompass, demonstravam a preocupação com a qualidade do ensino, com o material didático existente nessas escolas e com a manutenção da identidade cultural alemã. A precariedade das escolas públicas também era uma questão que foi percebida por essa comunidade (...).

 

 

 

4. Elementos da Consciência Histórica dos sujeitos

 

De cada colônia foram selecionadas 3 amostras aleatoriamente para compor nossa pesquisa em relação ao processo ensino-aprendizagem, os quais denominamos S1 (masculino, 88 anos), S2 (feminino 87 anos) e S3 (masculino, 88 anos) esses três primeiros são da colônia de Bom Jardim

            Quando da apresentação do instrumento metodológico a estes participantes, observamos que o ao interpretar o caso ocorreu a quebra de padrões de significação histórica pela negação de sua validade. Os entrevistados S1 e S3 indicam que a verificação das fontes é um elemento fundamental no seu processo de decisão, ou seja, as afirmações não se impõem a eles pela tradição. No campo da relação com os valores morais observamos a quebra do poder moral dos valores também pela negação de sua validade, pois no caso de S3, este diz “não acreditar na palavra das pessoas e sim em provas materiais”. Afirma ainda que, mesmo voltando ao passado não mudaria de posição. Dessa maneira percebemos que o tipo de consciência histórica em que se enquadram estes sujeitos é o “crítico”. Rüsen afirma que por meio destas histórias críticas, os indivíduos dizem não às orientações temporais preestabelecidas em sua vida.

            Já o sujeito S2, ainda de Bom Jardim, em um primeiro momento afirmou que não apoiaria, nos dias de hoje, de forma alguma o personagem principal da história. Porém, se pudesse voltar à época que vivia na colônia provavelmente ajudaria essa pessoa, devido aos valores transmitidos na época, que enfatizavam a ajuda, especialmente aos do mesmo grupo étnico.

            Nesse sentido, apresenta-se aí o modo de produção de sentido genético, pois, neste modelo, segundo Rüsen (1992), entende a relatividade e a mudança como elementos centrais. Com efeito, a consciência histórica tradicional infere que os valores morais são preestabelecidos a partir de uma ordem obrigatória. A validade moral é inquestionável e estabelecida pela tradição, nesse caso, a tradição da colônia.

Portanto, podemos inferir que ao analisar as falas destes sujeitos, as formas de geração de sentido histórico predominantes referem-se ao modo crítico, no entanto com sensível tendência ao tipo tradicional.

Passando a analisar os sujeitos da Colônia Witmarsum, aqui denominados como S4 (feminino 56 anos), S5 (masculino, 57 anos) e S6 (feminino, 88 anos), respectivamente, a estes sujeitos também apresentamos a hipotética história já mencionada anteriormente, a fim de caracterizar suas formas de produção de sentido ligadas à consciência histórica.

            Em todos os casos os sujeitos se posicionaram de modo a prestar auxílio ao personagem da história, porém, de maneira criteriosa, partindo de um consenso estabelecido por toda a comunidade. Essa prática comum, de levar o caso à comunidade, remete à perspectiva exemplar: discutir as questões polêmicas com o grupo é um valor que se sustenta dentro de uma percepção que reforça a atitude pelo vínculo com a experiência, vivida ou dada a conhecer pelas narrativas do passado.

 Contudo, observamos nos sujeitos de Witmarsum o tipo genético de constituição de sentido histórico, pois compreendemos que a perspectiva genética também faz com que a história seja entendida, partindo de uma estrutura pré-moderna, para uma estrutura moderna de moral. Nas palavras de Rüsen (1992), a mudança temporal se torna um argumento decisivo na validação de valores morais.

            Assim sendo, ao analisar a história, o tipo genético o faz de maneira crítica e consciente, sem dar valor aos tratados do passado, aqueles “escritos na muralha”. A mudança temporal infere uma mudança de pensamento e de comportamento nos indivíduos.

            Por isso, o trabalho de Rüsen em relação à formação da consciência histórica nos possibilitou a compreensão através da prática de campo o processo social, mental (germanismo) e econômico de ambos os grupos estudados.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

5. Conclusão.

O processo de ensino-aprendizagem nestas colônias, tanto em Bom Jardim do Sul, quanto em Witmarsum, mesmo que analisados períodos distintos, quais sejam, as décadas de 1920 e 1950 respectivamente, mostrou um ponto em comum: uma intensa luta nestas colônias pela manutenção dos costumes étnicos e culturais em um ambiente desprovido de condições em oferecer melhores condições ao desenvolvimento das colônias, desde educação até infra-estrutura. Assim, os colonos buscaram ao máximo manter sua tradição, meios de trabalho e educação, pois se viram, de certo modo, isolados do governo brasileiro.

Um ponto específico sobre os resultados desta pesquisa mostra que em Bom Jardim, elementos da cultura alemã foram, aos poucos, sendo substituídos pela cultura brasileira, os valores étnicos e culturais desse grupo foram se perdendo através do tempo, como o uso da língua, que praticamente desapareceu nos dias de hoje. Não é o que ocorreu em Witmarsum. Entretanto, apesar da modernidade presente, da tecnologia, da Internet, dos estudos fora da colônia e da sedução da vida urbana, os depoentes afirmaram estar preocupados: estes fatores vêm a fragmentar a unidade da colônia, afastando, sobretudo os jovens, que já não mais se interessam pelo idioma alemão, pelos costumes e tradições da colônia. O que se pode concluir é que os depoentes dessa colônia contemplam a modernidade como um elemento de perigo para a manutenção da cultura e da etnicidade desse grupo.

            Nesse sentido, conclui-se também que o modo “tradicional” de Bom Jardim, de certa forma levou à dissolução da identidade dessa colônia e de seus sujeitos. Todavia, tratando-se do caso de Witmarsum, verificamos o modo “genético”, pois, articulando-se com a comunidade brasileira, interagindo com o estado nas questões educacionais da colônia, cedendo às exigências do varguismo, não se associando à perspectiva nazista de identidade alemã, facilitou a sobrevivência da identidade, ainda que ela esteja ameaçada hoje por outros fatores, no caso a fragmentação das identidades tradicionais pelos processos modernos e pós-modernos.

Os principais resultados mostram que o processo educacional, diferente em cada colônia, foi e é um fator significativo no gerenciamento da identidade em função de novos contextos, favorecendo ou não laços de continuidade entre as identidades nacionais originais e a identidade nacional resultante contemporânea de ambas as colônias estudadas. Outro fator importante observado neste trabalho é que, ao usarmos como teórico principal Rüsen, verificamos que a História se constitui em ciência, pois, os modos de produção do sentido histórico é uma prova que, a consciência história é segundo Rüsen, inerente ao homem.

Referências.

 

FUGMANN, W. Os alemães no Paraná- Livro Centenário. Paraná, Editora UEPG, 2008.

 

QUIVY, R.; CAMPENHOUDT, L. V. Manual de investigação em ciências sociais. Lisboa: Gradiva, 1992.

 

RENKE, V. E. A educação dos imigrantes alemães católicos em Curitiba. Curitiba: Champagnat, 2004.

 

RÜSEN, J. El desarrollo de la competencia narrativa em el aprendizaje histórico: uma hipótesis ontogenética relativa a la consciencia moral. Propuesta Educativa nº. 7. Buenos Aires: Flacso, 1992.

 

RÜSEN, J. Razão histórica – teoria da histórica: os fundamentos da ciência histórica. Brasília: EdUnb, 2001.

 [1]  A etnicidade pode assumir vários conceitos, podendo ser definida como o caráter ou qualidade do grupo étnico, como afirmam Glazer e Moynihan (1975), bem como um fenômeno situacional definido por Okamura (1981); como fenômeno de natureza política ou econômica, remetendo a grupos de pessoas unidas em torno de interesses comuns, de acordo com o que afirma Cohen (1974). Ainda Cohen (1978) define a etnicidade como série de dicotomizações de inclusividade e exclusividade, num processo ao mesmo tempo objetivo e subjetivo que associa pessoas a grupos específicos, que atua em paralelo à teorização de Barth (1969), acerca do papel central da identidade étnica na constituição de limites grupais.

[2]Bom Jardim (hoje Ipiranga) tem, desde 1923 uma escola alemã particular, sendo seu professor Rudolf Pesth, que, com 22 horas de aula semanais, tem uma renda de 600$000. O predio da escola vale 4:100$000. Em 1928 a escola foi frequentada por 22 crianças, 18 evangélicas e 4 católicas. (FUGMANN, 2008, p 122).

[3] Com relação à formação da Colônia Witmarsum, cabe destacar que já existiam, à época, colônias com a mesma denominação (Witmarsum) no Estado de Santa Catarina, no Paraguai e na Argentina, sob a mesma denominação religiosa (Menonitas) e os moldes para a formação de uma nova colônia seguia os já existentes nestes locais mencionados acima.



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