por Prof. Altamiro Antônio Kretzer*
Temos no mundo, aproximadamente 6.800 línguas. Só no Brasil são faladas, atualmente, mais de 200. No entanto, quando os portugueses desembarcaram no Brasil, havia cerca de 1.270 línguas faladas por índios. Hoje, além das línguas indígenas, temos ainda as diferentes línguas de imigração. Porém, mesmo assim, desde o início da colonização do Brasil foram extintas mais de 1000 línguas. Uma perda irreparável, incalculável.
Antônio Carlos é uma cidade de colonização, predominantemente, germânica. A língua falada por nossos ancestrais germânicos é por aqui denominada de Hunsrückisch (alguns preferem defini-la como dialeto, mas isto é discutível). De acordo com a política linguística atual, o Hunsrückisch é considerado como uma língua de imigração. As línguas de imigração foram, por muito tempo, vistas apenas como meros dialetos, o que as tornava “invisíveis” perante as línguas dominantes (SKUTNABB-KANGAS, 1996). Com o emprego do atual termo, acreditamos que as línguas de imigração possam ter o seu valor reconhecido em nosso país, cujas políticas linguísticas oficiais ainda estão pautadas no mito do monolinguismo.
Vale lembrar que Antônio Carlos recebeu imigrantes alemães a partir de 1830. Anteriormente à chegada dos imigrantes a região já era ocupada por indígenas Xokleng. A ocupação do município de Antônio Carlos por imigrantes aconteceu em dois momentos: inicialmente, com a chegada dos açorianos, nas primeiras décadas do século 19; depois, a partir de 1830, com os imigrantes alemães que se estabeleceram às margens do Rio do Louro.
Conforme RaulinoReitz (1992), o primeiro núcleo de colonização alemã em Santa Catarina desenvolveu-se a partir do minúsculo arraial de Santa Bárbara, que, constituía-se, no início da colonização alemã da colônia São Pedro de Alcântara, no primeiro núcleo de colonos alemães deste Estado, no ano de 1829. De fato, a maioria absoluta dos imigrantes de língua alemã instalados em Santa Catarina era originária da Confederação dos Estados Alemães e, uma significativa parte dos imigrantes era originária da região do Hunsrück, localizada no Estado da Renânia-Palatinado.
O primeiro povoado de origem germânica do município de Antônio Carlos surgiu em 6 de maio de 1830, no Vale do Rio do Louro. Este povoado teve origem com João Henrique Soechting, às margens do rio Louro, e a fixação de outras 10 famílias e de 5 solteiros.
Lei Municipal 132/2010: a cooficialização do Hunsrückisch
Sabemos das perdas que certas línguas de imigração tiveram por ocasião do processo de Nacionalização implantado pelo presidente Vargas. Atualmente poucos jovens falam a língua de nossos antepassados. Mesmo os mais velhos já perderam muito deste patrimônio de inefável valor. Se nada fizermos para recuperar, preservar e desenvolver esta língua em nossa cidade corremos o risco de, em mais uma ou duas gerações, vermos o Hunsrückisch de Antônio Carlos ser mais uma língua a desaparecer.
Um primeiro e importante passo foi dado neste sentido: em 2010 foi aprovada a Lei Municipal 132/2010 que “Dispõe sobre a cooficialização da língua Hunsrückisch no Município de Antônio Carlos”. Depois de muitas reuniões e da realização de três audiências públicas (nas comunidades do Louro, Rachadel e Centro) a Câmara Municipal aprovou, por unanimidade, a lei que cooficializou a língua Hunsrück como 2ª língua oficial de Antônio Carlos. Com esta ação, Antônio Carlos é o primeiro município de Santa Catarina a cooficializar uma língua de imigração como 2ª língua oficial, e é um dos 12 municípios brasileiros a empunhar uma política linguística de reconhecimento da história e da língua de grande parte de sua população como forma de aprofundar os vínculos identitários e planejar ações de desenvolvimento social e econômico pautado pelo fortalecimento das iniciativas locais.
O art. 2º desta lei municipal deixa claro um dos principais objetivos deste dispositivo legal: “O status de língua cooficial estabelecido por esta lei, visa incentivar e apoiar o aprendizado e o uso da língua nas escolas da rede pública municipal”.
Ainda temos um longo caminho a ser percorrido: temos que desenvolver políticas públicas para recuperar, preservar e desenvolver este componente de nosso patrimônio cultural. Já temos um contrato assinado com o IPOL (Instituto de Investigação e Desenvolvimento em Política Linguística) para realizarmos, num primeiro momento, um censo e um diagnóstico linguístico para identificarmos qual a real situação do Hunrückisch em nossa cidade.
Solicitação de inclusão do Hunsrückisch no Inventário Nacional de Diversidade Linguística (INDL)
Atualmente, mais de 80% da população de Antônio Carlos é formada por descendentes de imigrantes germânicos. Apesar da proximidade com Florianópolis, Antônio Carlos ainda mantém características marcantes da colonização alemã, principalmente na zona rural, onde a língua, a culinária e outros aspectos da cultura são preservados. É a valorização deste patrimônio linguístico que está no âmago da iniciativa de cooficializara língua Hunsrückisch, ou simplesmente “Hunsrücke”, e que agora sustenta a demanda para o InventárioNacional de Diversidade Linguística (INDL) .
Com a cooficialização teve início a etapa da regulamentação da lei e da implementação de ações para ampliar os âmbitos de usos da língua e valorizar a comunidade de seus falantes. Nesta direção, iniciamos já um trabalho de Censo e Diagnóstico Linguísticos na região, ação esta realizada em parceria com o IPOL (Instituto de Investigação e Desenvolvimento em Política Linguística) e com o Governo do Estado de Santa Catarina, por meio de recursos obtidos através de prêmio do Edital Elisabete Anderle. É também nesta direção que estamos pleiteando, agora junto ao IPHAN, o reconhecimento dessa língua como patrimônio cultural imaterial do estado brasileiro a ser obtido com a realização do Inventário. Para tanto, estamos em diálogo também com o IPOL e a Universidade Federal de Santa Catarina, no intuito de estabelecermos uma frente de trabalho para essa ação.
Com o inventário, a língua Hunsrükisch poderá ser visualizada em suas diferentes dinâmicas históricas, sociais e políticas, possibilitando a ampliação dos efeitos das políticas públicas, através de ações coordenadas de largo alcance. Por outro lado, promoverá desde sua realização, uma participação agentiva dos falantes, que participarão da execução do trabalho e definição das ações para o fortalecimento da língua. Há, portanto, ganhos políticos em todas as esferas sociais. Além disso, a realização deste inventário constitui uma importante ação para o fomento de políticas em prol da diversidade linguística pelo Estado Brasileiro.
Por que recuperar e preservar o Hunsrückisch?
Há estudos que comprovam a importância da manutenção e do incentivo aos falares locais, uma vez que eles elevariam a competência linguística. Na Alemanha, por exemplo, o dialetologista Hans Triebel explica que “a criança que cresce falando dialeto e aprende alemão padrão na escola é praticamente bilíngue, o que eleva sua competência e performance linguísticas – uma constatação fundada em pesquisas linguísticas”. Já o presidente da Associação Alemã de Filólogos, Heinz-Peter Meininger, justifica este fenômeno da seguinte maneira: “Os falantes de dialetos aprendem bem cedo a diferenciar diversos níveis linguísticos. Isso treina a capacidade de apreensão e o pensamento abstrato”.
Recuperando, preservando e ensinando o Hunsrückisch estaremos, portanto, além de manter a diversidade linguística e preservar a cultura de nossos antepassados, contribuindo também para melhorar o próprio aprendizado escolar de nossas crianças.
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